28 de abril de 2008

25 de Abril, o que é?




Imagem das comemorações realizadas em Lisboa da autoria de João Castela Cravo http://www.1000imagens.com/autor.asp?idautor=107


Autora: Ana Loura (Direitos reservados)




Bom dia!

Santa Maria festejou, mais uma vez, o dia da Liberdade com realizações de carácter desportivo e o desfile da fanfarra dos Bombeiros. Nenhuma realização politico/cultural foi promovida pelos responsáveis autárquicos ou pelos nossos representantes na Assembleia Regional. A única diferença dos anos anteriores foi a presença da atleta olímpica Rosa Mota que foi convidada pela Associação Juvenil de Santa Maria para vir sensibilizar a população, quer juvenil, quer de idade mais avançada para a saudável prática desportiva. A malta jovem aderiu muito bem à iniciativa da corrida que foi bem participada e animada e os mais velhos não tendo respondido ao apelo de fazerem uma marcha entre as Escola Secundária e o Jardim Municipal, estavam já no Jardim à espera.

A nível Nacional e Regional os festejos foram também os costumeiros e nas entrevistas que as televisões apresentaram nas peças sobre o tema a ignorância manifestada sobre a data foi comum na grande maioria dos entrevistados quer jovens quer mais velhos. Imagine-se que algumas das respostas à questão sobre o significado da data é que era o Dia da Independência!! E quando se perguntava independência de quê diziam do Fascismo. Ainda bem que ninguém perguntou quem era o Fascismo…

As preocupações manifestadas na cerimónia comemorativa realizada na Assembleia da República pelo Senhor Presidente da República no seu discurso institucional são pertinentes. É grave o desconhecimento geral sobre a História recente do país. Esta geração dos oito aos dezoito anos é de filhos e netos da geração que fez Abril pelo que a responsabilidade desta ignorância é dos pais e avós das criancinhas que não acham importante explicar à miudagem que as coisas já não foram assim como são hoje, que a Liberdade, houve tempos, em que se limitava a ser um sonho, um desejo urgente e inadiável; que nas escolas os rapazes tinham aulas numa sala e as raparigas noutra e os intervalos eram passados em recreios diferentes, que os professores que nos davam aulas tinham que assinar um documento onde declaravam que não exerciam qualquer actividade considerada contra a Ordem estabelecida, as professoras primárias tinham de pedir autorização ao Estado para casarem, as mulheres tinhas de ter autorização, por escrito, dos maridos para poderem viajar. Estas eram as menores limitações que a Liberdade tinha nos tempos da “Outra Senhora” e acho que serão os exemplos mais simples que poderemos dar aos nossos jovens. Eles pensam, na sua maioria, que estas coisas são estórias, fábulas e não História. Nas escolas de ensino básico o Fascismo tem que ser explicado para que as crianças entendam o que foi conquistado com a Revolução de Abril.

Houve uma declaração que vi/ouvi na RTP Açores que me pareceu anedota: Carlos César desbocou-se em observações jocosas sobre a ignorância, ou não, dos jovens quanto ao significado do 25 de Abril e, contrariamente ao que eu e Cavaco Silva, pelo menos, constatamos acerca da ignorância que a maior parte dos jovens demonstra, César acha que todos sabem muito bem a História e o significado da data e diz com um sorriso de orelha a orelha, que me levou a pensar que César estaria estranhamente eufórico, que apenas lhes falta saber o nome dos Heróis de Abril e que isso não é nem relevante nem necessário. Talvez também não seja necessário aos jovens saberem quem descobriu as ilhas dos Açores, bastando saber que foram descobertas, ou talvez nem isso deva de vir escrito nos compêndios pois se vivemos cá é porque elas foram descobertas e daqui a uns anos não precisarão, também, de saber quem foi o Presidente do Governo Açoriano que no dia 25 de Abril de 2008 disse tamanha bacorada. O nome dos Capitães de Abril, como o nome dos navegadores que descobriram as Ilhas, fizeram viagens de Circum-navegação, descobriram o Brasil, o nome dos Presidentes da República, dos Presidentes dos Governos, são História de Portugal

E porque Abril também é poesia ofereço-vos um texto que gostaria fosse da minha autoria. De Daniel de Sá, escritor Açoriano que viveu em Santa Maria e escreveu um lindíssimo livro “Santa Maria a Ilha Mãe”

TREZENTAS E QUARENTA PALAVRAS

(Em memória do Capitão Salgueiro Maia e do cantor José Afonso)

Conheces o gosto da anona? E o cheiro do incenso em flor nas noites húmidas? Talvez.

Mas com certeza não serás capaz de os explicar. Nem eu nem ninguém.

Existem coisas assim: os sabores, os cheiros, as cores, os sentimentos... Há muitos milha­res de palavras, mas nenhumas são suficientes para dizer aquilo que só quando se sente se sabe como é.

Eu gostaria de inventar as palavras que faltam à nossa Língua, a todas as línguas do Mundo, para falar de Abril. Em Portugal. Num dia com cravos a florir nas espingardas, porque ninguém queria usá-las para matar.

Estavam cansados da guerra, uma guerra má como todas as guerras. Em Angola e em Moçambique e na Guiné. Era o medo em Portugal. Havia verdades que era proibido dizer. Havia muita gente que mal tinha que comer. Havia muita gente sem casa onde morar.

Foi na madrugada de 25 de Abril de 1974. Os homens que mandavam neste país, e que não queriam que ele mudasse, talvez dormissem àquela hora sem sonhar com o que ia aconte­cer. No rádio, uma canção começou: "Grândola, Vila Morena". (Uma revolta que começa com uma canção, sobretudo uma canção como aquela, tem de ser uma revolta boa). Era o sinal combinado. Os militares saíram dos quartéis para dizer ao governo que não o suportavam mais, mas ainda não se sabia quantos portugueses estavam no mesmo lado. Logo se perce­beu que eram quase todos, afinal.

E a revolução tornou-se numa festa tão bonita que esse dia foi um dos mais belos da História de Portugal. Foi uma alegria tão grande que se chegou a pensar ter valido a pena tanto tempo de sofrimento e medo para que ela acontecesse...

Mas não! A água mais apetecida é a que se bebe depois de uma longa e penosa sede, e ninguém se deixa estar dois ou três dias sem beber só para ter um gosto enorme ao beber...

Se eu pudesse inventar as palavras que faltam à nossa Língua para dizer isto melhor, nunca mais haveria alguém capaz de duvidar de como foi lindo aquele dia, nunca mais nin­guém haveria de permitir que alguma coisa, neste país, se parecesse com as coisas ruins de antes. E muito depressa se mudaria o que ainda não houve tempo de mudar.

Abraços marienses
Santa Maria, 28 de Abril de 2008
Ana Loura

21 de abril de 2008

"Governo processa ANA por poluição"

Bom dia!


Estou em casa, cheguei na passada Quinta à noite. Gosto de estar em casa, saber notícias do que é nosso, andar pelos sítios, conversar com as pessoas de quem gosto. Há sempre novidades. Uma é que o meu Partido realiza estes dias Jornadas Parlamentares e que um dos nossos Deputados à Assembleia da República se desloca hoje, Segunda-feira dia 21 de Abril, a Santa Maria para conhecer ao vivo a nossa realidade para poder falar sobre ela na Assembleia. Reunirá com o Senhor Director do Aeroporto de Santa Maria, da empresa ANA SA, com a Senhora Presidente da Câmara Municipal, com o responsável pela EDISOFT/ESA em Santa Maria e com Direcção da Associação de Andebol de Santa Maria. Oxalá leve a pasta cheia de assuntos pendentes que precisam de empurrõezinhos na República.

Sexta fui registar os meus jogos da Santa Casa ao Max e como estavam algumas pessoas à minha frente fui folheando o Açoriano Oriental e logo na primeira página, no topo um título a letras gordas prende a minha atenção “Governo processa ANA por poluição ambiental” e o meu pensamento imediato foi: Só agora? Vá lá que acordou, o nosso Governo. E veio-me de imediato à memória duas das minhas crónicas, uma onde eu afirmava que a mentira tem perna curta, que não basta alguém dizer que é amiga do ambiente e andar a despejar no mesmo saco os lixos que os utilizadores dos seus espaços colocam em recipientes separados e depois um funcionário despejar tudo no mesmo saco e depois um camião de caixa aberta passeia o lixo pelas nossas estradas até ao destino. Era assim no dia 26 de Março de 2006 quando escrevi o que transcreverei, será que já mudou? “Mas desilusão eu já a tive, pois quando vou ao terminal do nosso Aeroporto vejo lá uns recipientes todos bonitos e aerodinâmicos com cestinhos dentro com a finalidade de lá serem depositados, separados, os lixos dos passageiros e acompanhantes, porque a ANA é uma empresa que se preocupa com o ambiente. Depois vem uma das senhoras da empresa de limpeza e “dumpa-o” para o mesmo saco. Lá estou eu a ser enganada e não gosto, claro que não gosto…Mas parece que é apanágio das empresas nacionais que se dizem verdes e amigas do ambiente esquecerem-se de o ser aqui na ilha, e não saberem onde ficam os pontos onde se faz a recolha selectiva, não fazerem acordos com as autarquias e canalizarem, pelo menos, o papel e as garrafas de plástico para os contentores devidos. Para mim o que elas fazem é uma forma de mentira, de fuga à verdade de não serem verdes mas pretas por faltarem à verdade e terem a responsabilidade de não estragarem o bem comum que é o nosso frágil ecossistema e se demitirem das suas responsabilidades para com as comunidades em que estão inseridas.” Mais tarde, no dia 23 de Julho de 2007 escrevi assim: “Vi em vários blogs fotografias que me chocaram, me entristeceram e me revoltaram. Uma coluna de fumo negro a subir no ar vinda de dentro dos limites da zona ar do aeroporto de Santa Maria. Pelo que me pareceu foi realizada uma queimada numa zona de mato. Pela cor do fumo questiono-me se teria sido “apenas” mato…Mas as questões fundamentais são: Pode qualquer pessoa realizar queimadas? É legal? Pode a ANA realizar queimadas? É legal? Pode qualquer pessoa poluir o ambiente? É legal? Pode a ANA poluir o ambiente? (o fumo não ficou confinado ao fense do aeroporto) É legal? Não havia animais no local da queimada? Pode a Ana, em termos morais no que se refere ao atentado à vida de animais indefesos, queimar vivos animais que estariam na área queimada? Sabemos que não é a primeira vez que nos Açores a ANA toma atitudes de atentado à vida animal, inclusive de espécies protegidas como foi o caso dos milhafres no Aeroporto João Paulo II em S Miguel. Será, também, que a queimada foi realizada ao fim do dia prevendo que os funcionários do Ambiente já estariam a gozar as delícias do descanso nas areias da Praia Formosa ou noutro recanto do paraíso? Ou a Secretaria do Ambiente não tem jurisdição sobre o ar da ilha que fica fora do fense e é poluído pelo que se faz dentro do fense? O certo é que haveria outras soluções mais racionais, menos atentatórias do património comum que é o ar que todos respiramos e aos animais que devemos respeitar, roçar o mato e enterrá-lo de modo a decompor-se naturalmente. Mas isso seria uma solução simples demais…O certo é que, mesmo que a ANA não esteja abrangida (não estará?) pela lei geral do país mandam as boas práticas que apregoa ter (é uma empresa ecológica como dizem os baldes de lixo espalhados pelo terminal e nos cartazes), mandarão os procedimentos da política de qualidade que lhe terá dado a certificação queimar silvas, coelhos, grilos e outros animais? Será que há processo de qualidade para a limpeza das áreas envolventes às placas, taxiways e pistas?
Estou revoltada com a prepotência, o desrespeito, e a quem deu a ordem para que se fizesse o que foi feito só me apetece insultar, dizer o que não devo por respeito a quem me ouve, porque a eles, por não me respeitarem nem respeitarem aos outros marienses, já não lhes devo respeito nenhum. Sei bem que esta crónica lhes vai valer um sorriso de escárnio e um encolher de ombros e alguma comentário jocoso. Mas eu hoje vou dormir de consciência tranquila porque disse o que pensava. E eles? Vão dormir também com as suas tranquilas? Ou será que já a perderam faz tempo?”

Enquanto o meu cérebro viajou à velocidade do pensamento por estas duas crónicas os dedos avançaram as páginas do jornal e os meus olhos arregalaram-se estupefactos por um lado e felizes por outro: as meninas da Secretaria do Ambiente, as tais vigilantes da natureza desta vez não estavam na praia e viram que os cocós que fazem a bordo dos aviões são despejados num sítio que desemboca numa vala a céu aberto num despudorado atentado ao ambiente que é nosso. Parece que a responsabilidade é da ANA que não dá melhores condições para que a água choca seja despejada numa fossa ou noutro sítio onde não cheire mal nem suje o que é de todos.

Fico estupefacta quando o responsável pelo Gabinete de Comunicação da ANA afirma que a responsabilidade do tratamento dos efluentes será das Câmaras, esse Senhor deve desconhecer a realidade do Aeroporto mariense onde a ANA é dona e senhora de infra-estruturas, desde terrenos, esgotos, abastecimento de água, habitações e que do açucareiro para dentro é Dona e Senhora e não se rege por leis da República tendo atitudes completamente fora das leis gerais do País, mas isso “são outros quinhentos” que darão “panos para muitas mangas…” Ainda bem que os vigilantes cumpriram a sua obrigação de vigiarem aquilo que, apesar, de ficar no Reino de Sua Majestade ANA, SA é de todos nós. Vamos a ver se não fica tudo em “águas de bacalhau” como o caso dos Milhafres no Aeroporto de Ponta Delgada.

Abraços Marienses

Santa Maria, 21 de Abril de 2008
Ana Loura

7 de abril de 2008

A Vida (que tenho, ou não)


Bom dia!





A VIDA

Foi-se-me pouco a pouco amortecendo
a luz que nesta vida me guiava,
olhos fitos na qual até contava
ir os degraus do túmulo descendo.

Em se ela anuviando, em a não vendo,
já se me a luz de tudo anuviava;
despontava ela apenas, despontava
logo em minha alma a luz que ia perdendo.

Alma gémea da minha, e ingénua e pura
como os anjos do céu (se o não sonharam...)
quis mostrar-me que o bem bem pouco dura!

Não sei se me voou, se ma levaram;
nem saiba eu nunca a minha desventura
contar aos que inda em vida não choraram ...

(...)
;
A vida é o dia de hoje,
a vida é ai que mal soa,
a vida é sombra que foge,
a vida é nuvem que voa;
a vida é sonho tão leve
que se desfaz como a neve
e como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
mais leve que o pensamento,
a vida leva-a o vento,
a vida é folha que cai!

A vida é flor na corrente,
a vida é sopro suave,
a vida é estrela cadente,
voa mais leve que a ave:
Nuvem que o vento nos ares,
onda que o vento nos mares
uma após outra lançou,
a vida – pena caída
da asa de ave ferida -
de vale em vale impelida,
a vida o vento a levou!





Há dias em que nos dá para filosofar, procurarmos o sentido das coisas, questionarmo-nos se a vida que temos, levamos, vale ou não a pena. A vida! Será que a vida é apenas o instante que este poema de João de Deus resume na folha que cai e o vento levou? É estranho que tantas vezes tenha lido o poema, o tenha analisado nas aulas de português do liceu e só hoje tenha reparado que as estrofes que falam da folha, a primeira esteja no presente e a última já no passado. Excelente forma de enfatizar a brevidade da vida. Mas nem é bem esse o aspecto que me fez, hoje, vir à memória este poema, mas sim se a vida/vivência que tenho é a que me realiza, me faz feliz. Nunca fui muito exigente com nada, mas por vezes sinto que não vou para além do trivial, do mediano, do “normal”, que tudo seria diferente se…se…se…e se. Mas eu não gosto de ser obrigada pelas circunstâncias da vida a optar e quando o faço fico sempre, ou quase sempre, com a sensação de, como diz alguém, ter apostado no cavalo errado. O certo é que ando meia à deriva, meia perdida, sem rumo…falta qualquer coisa que não sei, ou talvez saiba, para me dar o equilíbrio, me fazer abrir a janela de manhã e sorrir para o sol acabadinho de nascer, é que há dias em que parece que nem o sol nasceu e nem a lua ainda brilha no céu. É que sem sol não há luar e é assim que me sinto, sem sol e sem luar. Resta a esperança de que venham melhores dias, e virão certamente. Até lá…





Abraços marienses

Árvore. 07 de Abril de 2008

Ana Loura

1 de abril de 2008

Juventude, telemóveis, escola e responsabilidades. "Geração do Ecrã" (Alice Vieira)



Gostaria de ter tido mais espaço para aprofundar bastante mais o tema que é complexo e polémico. Felizmente em relação aos meus filhos acho que tudo correu bem, até hoje, são jóvens equilibrados, conscientes. Penso que o meio onde cresceram (Ilha de Santa Maria) foi fundamental para aquilo que eles são hoje. De qualquer forma a abordagem que faço não esgota, nem para lá caminha, o tema.
E porque não esgota, tomo a liberdade de transcrever texto da autora Alice Vieira publicado no Jornal de Notícias, depois da minha cronica.

Bom dia!
O País foi surpreendido há poucos dias por imagens da cena passada numa sala de aula em que uma jovem reage de uma forma violenta à atitude de uma professora que lhe tenta tirar o telemóvel da mão, telemóvel esse que a moça teria utilizado em plena aula. Toda a gente ficou chocada, até a Mãe da jovem. Em todo o Portugal se discutem as responsabilidades e se diz que esta juventude é pior do que qualquer juventude anterior, que não há respeito, que antigamente é que era. Que nunca se ouviu falar nem se imaginou possível chegar-se a um tal nível de desrespeito. Só falta desenterrar Salazar para que venha restabelecer a ordem. Muitos culpam a Democracia, o 25 de Abril. Talvez que a Democracia seja “culpada” de nos ter aberto os olhos o os horizontes que por falta dela durante tantos anos tivemos. Durante anos tivemos falta de tudo, de acesso à cultura nas suas mais vaiadas formas pois era-nos servida a “ementa” que o poder queria que comêssemos: hortaliça com couves ao almoço e couves com hortaliça ao jantar, ou seja: Fado e futebol ao almoço e ao jantar futebol e fado. Em termos económicos havia os patrões que eram os ricos, os remediados, alguns e os resto do Povo os Pobres. Ia estudar quem podia, ou seja, uma mão meio cheia de privilegiados. No meu tempo de criança, antes do 25 de Abril, em casa dos meus Pais as roupas eram cerzidas, cosidas, remendadas, os colarinhos virados, as calças e os casacos do meu Pai adaptadas ao corpo dos meus irmão e mesmo ao nosso, as roupas compradas para a minha irmã mais velha passavam para as mais novas, vestíamos felizes a roupa dada pela filha do patrão do meu Pai, e os sapatos levavam solas e era o meu Pai quem as punha. Recordo que uma vez um dos meus irmãos teve o seu primeiro par de sapatos novos comprados na Sapataria Varela, dormiu nessa noite com eles debaixo do travesseiro tal foi a alegria; a minha primeira prenda de Natal sem serem as habituais e possíveis nozes, avelãs, figos passados e uns chocolatinhos foi uma caixa com 6 plasticinas teria eu pelos meus 10 anos. A minha primeira boneca tive-a aos 12 e assim por diante.

Ora, esta minha geração que viveu privada de tudo, até de água canalizada e esgotos e principalmente da liberdade até de pensar, somos os pais e avós dos jovens que povoam as escolas e de quem se diz que nunca os houve tão malcriados, tão desrespeitadores, tão preguiçosos, tão desleixados, tão porcos. Isto dá que pensar pois se eles são nossos filhos, nós seremos os maiores responsáveis pelo facto de eles serem o que são, já que para além dos da nossa geração seremos seus pais, são seus professores, são seus governantes. Quer dizer que eles são o que quisemos que eles fossem, portanto não conseguimos transmitir-lhes o sentido da responsabilidade, o sentido do valor da vida. É isso, não lhes transmitimos VALORES de espécie nenhuma, cívicos, nem morais, nem religiosos, nem respeito pelos seus próprios corpos nem pelos dos outros pois cada vez mais cedo iniciam a vida sexual activa impreparados, tatuam-se, usam piercings, fumam, consomem drogas. Não lhes ensinamos o que é a Democracia, o que é participar na sociedade, no futuro. A maioria dos jovens com direito a voto não está recenseada. Nós que tão pouco tivemos damos demais aos nossos filhos, estragamo-los com a fartura de tudo, quando eram pequenos demos-lhes os brinquedos que não tivemos, alinhámos nas guerras das roupas e sapatilhas de marca que alguém inventou para vender mais. E nós lá fomos dando as consolas, os jogos que os alienaram do convívio familiar. Deixamos de ter tempo para lhes dedicar ou eles deixaram de ter tempo para nos aturar pois é mais agradável estar fechado no quarto olhos na consola a jogar os jogos violentos que lhes leva a adrenalina ao rubro e onde os não heróis acabados de morrer ressuscitam por magia para um novo “round”. A fantasia dos jogos passa a realidade para as ruas, recreios, corredores e salas de aula das escolas. Os Pais, nós, demitem das suas responsabilidades de educadores e passamo-la para as escolas, as escolas demitem-se da sua autoridade, o estado desautoriza as escolas e andam os nossos filhos sem Rei nem roque, à deriva. A escola deve ensinar e a família educar, mas estes papéis interpenetram-se e ambos devem ser desempenhados por ambas as instituições, mas os pais assumindo inequivocamente a sua missão educativa e a escola a sua missão lectiva.

O País fica de boca aberta diante de uma menina histérica que nunca deveria ter entrado na sala de aula de telemóvel ligado, muito menos usá-lo, mas como, certamente, em casa ela está à mesa a comer e a mandar SMS e a responder a quem lhe liga como pode ela entender que há lugares e situações em que as conversas com as amigas podem e devem esperar? Entendemos nós, os seus Pais? Não fazemos, nós, o mesmo? Não vemos os nossos políticos nas Assembleias telemóvel ao ouvido em plena sessão? Não conduzimos e falamos ao telemóvel em simultâneo? Somos exemplo pela positiva?

Como disse a Democracia é “culpada” porque nos abriu ao mundo, mas os cinquenta anos de opressão, obscurantismo e fascismo que nos cuartou todas as liberdades e nos manteve na pobreza de tudo, deixou sequelas que demorará algum tempo a ultrapassar. Reconheçamos os nossos erros e arrepiemos caminho. Façamo-nos exemplo e teremos a moralidade de repreender, exigir dos nossos filhos que sejam respeitadores das regras que devem existir e ser seguidas por todos.

Abraços marienses
Árvore, 01 de Abril de 2008
Ana Loura
Geração do ecrã
Por Alice Vieira, Escritora

Desculpem se trago hoje à baila a história da professora agredida pela aluna, numa escola do Porto, um caso de que já toda a gente falou, mas estive longe da civilização por uns dias e, diante de tudo o que agora vi e ouvi (sim, também vi o vídeo), palavra que a única coisa que acho verdadeiramente espantosa é o espanto das pessoas.

Só quem não tem entrado numa escola nestes últimos anos, só quem não contacta com gente desta idade, só quem não anda nas ruas nem nos transportes públicos, só quem nunca viu os "Morangos com açúcar", só quem tem andado completamente cego (e surdo) de todo é que pode ter ficado surpreendido.

Se isto fosse o caso isolado de uma aluna que tivesse ultrapassado todos os limites e agredido uma professora pelo mais fútil dos motivos - bem estaríamos nós! Haveria um culpado, haveria um castigo, e o caso arrumava-se.

Mas casos destes existem pelas escolas do país inteiro. (Só mesmo a sr.ª ministra - que não entra numa escola sem avisar…- é que tem coragem de afirmar que não existe violência nas escolas…)

Este caso só é mais importante do que outros porque apareceu em vídeo, e foi levado à televisão, e agora sim, agora sabemos finalmente que a violência existe!

O pior é que isto não tem apenas a ver com uma aluna, ou com uma professora, ou com uma escola, ou com um estrato social.

Isto tem a ver com qualquer coisa de muito mais profundo e muito mais assustador.

Isto tem a ver com a espécie de geração que estamos a criar.

Há anos que as nossas crianças não são educadas por pessoas. Há anos que as nossas crianças são educadas por ecrãs.

E o vidro não cria empatia. A empatia só se cria se, diante dos nossos olhos, tivermos outros olhos, se tivermos um rosto humano.

E por isso as nossas crianças crescem sem emoções, crescem frias por dentro, sem um olhar para os outros que as rodeiam.
Durante anos, foram criadas na ilusão de que tudo lhes era permitido.

Durante anos, foram criadas na ilusão de que a vida era uma longa avenida de prazer, sem regras, sem leis, e que nada, absolutamente nada, dava trabalho.

E durante anos os pais e os professores foram deixando que isto acontecesse.

A aluna que agrediu esta professora (e onde estavam as auxiliares-não-sei-de-quê, que dantes se chamavam contínuas, que não deram por aquela barulheira e nem sequer se lembraram de abrir a porta da sala para ver o que se passava?) é a mesma que empurra um velho no autocarro, ou o insulta com palavrões de carroceiro (que me perdoem os carroceiros), ou espeta um gelado na cara de uma (outra) professora, e muitas outras coisas igualmente verdadeiras que se passam todos os dias.

A escola, hoje, serve para tudo menos para estudar.
A casa, hoje, serve para tudo menos para dar (as mínimas) noções de comportamento.

E eles vão continuando a viver, desumanizados, diante de um ecrã.

E nós deixamos.
Alice Vieira