Bom dia!
Há dias conversando com um amigo “virtual”, que “conheci” na Internet, sobre as minhas crónicas, ele sugeriu-me o tema da solidão e das relações que se criam entre as pessoas nas diversas formas de comunicação. Bom, no fundo, penso que serão dois temas num, pelo que irei, hoje, abordar o problema da solidão como tal.
Há pessoas que estão sós por opção ( Monges de algumas congregações, por exemplo os Trapistas, Carmelitas…) mas que não se sentem solitários porque estão espiritualmente juntos de Deus.
Tenho um medo horrível da solidão, de me sentir abandonada, de não poder comunicar, de não receber e enviar ideias, palavras e que estas não sejam entendidas/”digeridas” por quem as recebe, não ter retorno, o “Roger” aeronáutico. Não quero que o que digo não volte transformado por quem recebeu, como o eco que ouço quando ando num corredor do serviço e de repente sinto passos iguais aos meus vindos na direcção oposta e que mais não são que o eco dos meus.
O Homem é um animal gregário, aprendi eu nas aulas de filosofia que me queimaram alguns neurónios há uns anos acrescentados. Que palavrão era aquele do gregário??? Explicava o prof que nós nascemos para vivermos em sociedade, juntos, comunicarmos e trabalharmos para a felicidade comum…balelas, lérias…bom, bom é cada um por si, olharmos cada um para o nosso umbigo e os outros que se lixem…pensa muita gente.
Mas não me sai da ideia uma estória que ouvi quando criança e que sempre me impressionou muito mais do que o caçador a abrir a barriga do lobo e tirar de lá a assarapantada avozinha do capuchinho que tinha sido tragada de uma só vez pelo lobo: Um filho que leva o pai velhinho para um monte para ele passar lá os seus últimos dias, dá-lhe um cobertor para que se agasalhe. O pai pede ao filho uma faca, corta o cobertor a meio e dá uma metade ao filho que perplexo lhe pergunta porquê. Responde o pai. “Para tu usares quando o teu filho te trouxer para aqui” O filho pensou por uns segundos, os seus olhos encheram-se de lágrimas, pegou no pai e levou-o para casa…Diz sabiamente o Povo: “Filho és, pai serás”
O problema da solidão é um dos mais graves da sociedade actual, engavetamos os idosos, os deficientes, os menos aptos e somos todos muito felizes porque alguém, que não nós, cuida deles.
Na nossa ilha há pessoas que vivem na total solidão…Um dia destes um amigo, que por ser ministro da comunhão, vai a casa de pessoas que por várias razões não podem deslocar-se à igreja, disse-me que alguém lhe terá dito esperar ansiosamente pela vinda dele pois era a única pessoa com quem falava. Este é um exemplo…Quantas pessoas não estarão na mesma condição…à espera de ouvir uma voz, receberem um sorriso, uma palavra de conforto. E não é uma televisão ligada o dia todo, e à qual já nem ligam a mínima atenção, que os tira da solidão. Nos recolhimentos, nas instituições de solidariedade, nos hospitais e mas suas próprias casas preambulam e estão acamados mortos vivos vazios de carinho e atenção e cá fora andamos nós de consciência tranquila porque “a sociedade” cuida deles. Dormimos nas nossas camas, sonhamos com o amanhã e acordamos para mais um dia de trabalho sem sequer lembramos que a pouca distância de nós há alguém que morre à míngua de atenção, de diálogo, de presença.
Ontem a Diocese dos Açores, assinalou o dia do doente. Outras datas, como o dia da Caritas diocesana, o dia mundial contra o cancro, da sida, e tantas outras são assinaladas e festejadas. Nós damos a nossa esmolinha, viramos costas e “fizemos a nossa obrigação”. Será que fizemos? Metamos a mão na consciência, será que fizemos?
Estamos a menos de 15 dias do fim da Quaresma, tempo de, como Jesus, passarmos ao Deserto, meditarmos sobre o nosso papel na sociedade e mudarmos de atitude, decidirmo-nos a envolvermo-nos nas causas da solidariedade para com aqueles que precisam do nosso sorriso. E não nos desculpemos esfarrapadamente, não falta onde o fazermos. Tentemos, ao menos.
De António Gedeão: Poema do Homem
Só
Sós, irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
e ninguém nos conhece.
Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem
Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de outro se refracta,
nenhum ser nós se transmite.
Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.
Dão-se os lábios, dão-se os braços
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, e dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.
Mas este íntimo secreto
que no silêncio concreto,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarçe,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se, e desflorar-se,
é nosso de mais ninguém.
Santa Maria, 29 de Março, de 2004
Ana Loura