29 de março de 2004

Crónica Nº 5- Solidão

Bom dia!
Há dias conversando com um amigo “virtual”, que “conheci” na Internet, sobre as minhas crónicas, ele sugeriu-me o tema da solidão e das relações que se criam entre as pessoas nas diversas formas de comunicação. Bom, no fundo, penso que serão dois temas num, pelo que irei, hoje, abordar o problema da solidão como tal.
Há pessoas que estão sós por opção ( Monges de algumas congregações, por exemplo os Trapistas, Carmelitas…) mas que não se sentem solitários porque estão espiritualmente juntos de Deus.
Tenho um medo horrível da solidão, de me sentir abandonada, de não poder comunicar, de não receber e enviar ideias, palavras e que estas não sejam entendidas/”digeridas” por quem as recebe, não ter retorno, o “Roger” aeronáutico. Não quero que o que digo não volte transformado por quem recebeu, como o eco que ouço quando ando num corredor do serviço e de repente sinto passos iguais aos meus vindos na direcção oposta e que mais não são que o eco dos meus.
O Homem é um animal gregário, aprendi eu nas aulas de filosofia que me queimaram alguns neurónios há uns anos acrescentados. Que palavrão era aquele do gregário??? Explicava o prof que nós nascemos para vivermos em sociedade, juntos, comunicarmos e trabalharmos para a felicidade comum…balelas, lérias…bom, bom é cada um por si, olharmos cada um para o nosso umbigo e os outros que se lixem…pensa muita gente.
Mas não me sai da ideia uma estória que ouvi quando criança e que sempre me impressionou muito mais do que o caçador a abrir a barriga do lobo e tirar de lá a assarapantada avozinha do capuchinho que tinha sido tragada de uma só vez pelo lobo: Um filho que leva o pai velhinho para um monte para ele passar lá os seus últimos dias, dá-lhe um cobertor para que se agasalhe. O pai pede ao filho uma faca, corta o cobertor a meio e dá uma metade ao filho que perplexo lhe pergunta porquê. Responde o pai. “Para tu usares quando o teu filho te trouxer para aqui” O filho pensou por uns segundos, os seus olhos encheram-se de lágrimas, pegou no pai e levou-o para casa…Diz sabiamente o Povo: “Filho és, pai serás”
O problema da solidão é um dos mais graves da sociedade actual, engavetamos os idosos, os deficientes, os menos aptos e somos todos muito felizes porque alguém, que não nós, cuida deles.
Na nossa ilha há pessoas que vivem na total solidão…Um dia destes um amigo, que por ser ministro da comunhão, vai a casa de pessoas que por várias razões não podem deslocar-se à igreja, disse-me que alguém lhe terá dito esperar ansiosamente pela vinda dele pois era a única pessoa com quem falava. Este é um exemplo…Quantas pessoas não estarão na mesma condição…à espera de ouvir uma voz, receberem um sorriso, uma palavra de conforto. E não é uma televisão ligada o dia todo, e à qual já nem ligam a mínima atenção, que os tira da solidão. Nos recolhimentos, nas instituições de solidariedade, nos hospitais e mas suas próprias casas preambulam e estão acamados mortos vivos vazios de carinho e atenção e cá fora andamos nós de consciência tranquila porque “a sociedade” cuida deles. Dormimos nas nossas camas, sonhamos com o amanhã e acordamos para mais um dia de trabalho sem sequer lembramos que a pouca distância de nós há alguém que morre à míngua de atenção, de diálogo, de presença.
Ontem a Diocese dos Açores, assinalou o dia do doente. Outras datas, como o dia da Caritas diocesana, o dia mundial contra o cancro, da sida, e tantas outras são assinaladas e festejadas. Nós damos a nossa esmolinha, viramos costas e “fizemos a nossa obrigação”. Será que fizemos? Metamos a mão na consciência, será que fizemos?
Estamos a menos de 15 dias do fim da Quaresma, tempo de, como Jesus, passarmos ao Deserto, meditarmos sobre o nosso papel na sociedade e mudarmos de atitude, decidirmo-nos a envolvermo-nos nas causas da solidariedade para com aqueles que precisam do nosso sorriso. E não nos desculpemos esfarrapadamente, não falta onde o fazermos. Tentemos, ao menos.
De António Gedeão: Poema do Homem
Sós, irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
e ninguém nos conhece.
Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem
Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de outro se refracta,
nenhum ser nós se transmite.
Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.
Dão-se os lábios, dão-se os braços
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, e dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.
Mas este íntimo secreto
que no silêncio concreto,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarçe,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se, e desflorar-se,
é nosso de mais ninguém.
Santa Maria, 29 de Março, de 2004
Ana Loura

4 comentários:

  1. Viva Ana!
    Vejo que foste buscar cronicas antigas e ainda bem que o fizeste porque doutra forma talvez nao as viesse a descobrir.
    esta da solidão é uma das que daria pano para mangas... é como dizes, sentir-se só nao tem nada a ver com o estar-se sozinho ou acompanhado: quantas das solidoes nao sao solidões a dois ou a tres? quantas vezes estamos sós no meio de tanta gente? quantas vezes nao me senti perdida de mim mesma à procura sei lá do que? quantas vezes nao chorei por pensar que Deus me tinha abandonado? (graças a deus é passado!)quantos serão os idosos e doentes que nao abafarao suas lagrimas por pensarem que suas familias se esqueçeram deles quando mais precisam? ou por falta de um sorriso, de um carinho, de um toque.. qualquer coisa que lhes transmita algum sentimento de utilidade e de bem querer...? porque eles deram a vida por nós e é nosso "querer" e nossa "obrigaçao" fazer por eles nem que seja um pouco só do que eles já fizeram por nós..
    bj ana e bom fim de semana com mt amor e esperança para todos!
    maria

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  2. COMO É BOM ÁS VEZES ESTARMOS
    ( SÓ )
    ÁS VEZES COMO É BOM A SOLIDÃO
    OUTRAS VEZES NÃO
    SOLIDÃO É NÃO FALAR
    NÃO QUERER SER AJUDADO
    NÃO QUERER AJUDAR
    LUZEIRO

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  3. bom dia a todos!
    dirigindo-me em especial ao autor da resposta anterior eu queria dizer que acho (mera e modesta opinião pessoal que isso o que ele descreve nao é bem solidão, mas uma necessidade de sossego de alma.. solidão nao é gostar de se estar só e de nao querer ajudar os outros, penso que isso é mais um cansaço do exterior, um "basta, deixem-me sossegado".. solidão é mais um doloroso cansaço de si proprio, uma "alma rachada sobre o indicador esquerdo.." (citando, agora de cor, o Alvaro de Campos que tao bem exprime esses estados de ala tipicos do homem só), enfim.. algo que nao consigo explicar mas que sei reconhecer no olhar vazio e abstracto do meu colega, do meu amigo, do meu marido/mulher/pai/mae, etc ou daquela pessoa que passa por mim e me diz bom dia ou que até eu nunca vi na vida e olho e vejo que traz no olhar um mundo escondido e que é o mundo da ausencia de si. E mesmo que essas pessoas sorriam (e a maioria delas até o fazem e nao sao pessoas nada taciturnas), se estivermos atentos, reparamos que de vez em quando os olhar delas as trai e fica momentaneamente sombrio e triste! mas só se estiverem atentos ....o problema é que a nossa sociedade é feita na sua maioria por pessoas desatentas ao ser humano e atentas a coisas perceberão que existe mta solidão á nossa volta..
    bj a todos da..
    Maria

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  4. Ana: este pedido de desculpas é dirigido a todos mas sobretudo a ti que primas pelo rigor da linguagem e eu ao ler o meu comentario anterior vi que cometi tanto mas tanto atropelo na escrita.. !!! desculpa! foi da emoçao na certa.. os cobardes arranjam sempre culpados né?! .. lol..
    abraço
    maria

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