Recado à Maré-2
Há vinte anos deixei o meu primeiro recado à Maré, recado de festa mas acima de tudo de esperança no futuro e agradecimento aos pioneiros que deram o passo que separa o sonho da sua realização, para a concretização que para muitos, no seu dizer, era megalómano, irrealizável, Não faltam nessas alturas os medrosos, os sépticos, os “velhos do Restelo” que vaticinam fracassos e gostariam de ver os sonhos, os projectos não passarem disso para depois se vangloriarem com “e eu não tinha razão? Nunca acreditei que a coisa tivesse pernas para andar” Mas desta vez não se ficaram a rir. A Maré vingou e cresceu e tornou-se mais e mais em Maré (viva) de Agosto.
Desde a primeira hora apoiei este projecto, colaborei na medida da minha capacidade e disponibilidade, quer profissional quer, acima de tudo familiar: colei programas no edifício do terminal do aeroporto, nos supermercados, cafés e bares, pertenci à mesa da Assembleia Geral durante anos e nos terceira edição do Festival fiz, com o Hélder Pimentel, a bilheteira num cubículo de madeira na rampa do pasto, recinto do Festival. Foi no seu rescaldo, na ressaca, com os ouvidos e o coração acalentados pelo som dos Quillaapayun, Manuel Ferreira, Rimanço, Susana Coelho, Gente da ilha, Toques, Extreme e a Brigada Vítor Jara, que, na Faneca, na solidão de um turno de trabalho o escrevi, fascinada pela realidade de um sonho escrevi o primeiro recado.
No Sábado dia 25 de Agosto de 2007 fui entrevistada para um programa que irá ser transmitido pelo ASAS sobre a 23ª edição da Maré e foi-me perguntado se considero que o “Espírito da Maré” que o Antoine de Laborde com o seu sotaque característico “institucionalizou” como “Spirrit da Marré”. Parei por eternos breves momentos: Ainda existe o tal espírito? E nesses momentos vi, mentalmente, flashes dos 23 anos passados, o trabalho de preparação dos festivais, de apoio durante os dias/noites da sua realização, era eminentemente voluntário, para além dos trabalhos executados por funcionários que a Câmara Municipal e os serviços ligados ao Governo Regional disponibilizavam; a exploração do bar era da responsabilidade da Direcção da Associação Cultural Maré de Agosto e assegurada por equipas de voluntários que cozinhavam e serviam desde as sandes até aos churrascos, às bifanas, às feijoadas ao delicioso “frango à pasto” que num ano o saudoso Luís Ribeiro cozinhou. Muitos dos artistas actuavam graciosamente, apenas lhes era paga a viagem, alguns nem isso exigiam, e arranjava-se alojamento em casa de uns e de outros que franqueavam as suas casas muito à moda de Santa Maria. É este viver mariense, estas vivências que fizeram o tal espírito. O pasto era limpo por bandos de miúdos filhos dos elementos da Direcção e de colaboradores, alguns deles são, agora, membros dos corpos gerentes.
Entretanto a Maré “evoluiu”, foi-se alterando. Por opção? Ou tinha mesmo que ser? Alguns serviços foram entregues a equipas pagas, começando pelos que asseguram o controlo das entradas, a segurança dentro do pasto, este já não é limpo pelos miúdos, o bar há já alguns anos é concessionado, embora o serviço continue, como este ano, a ser assegurado por voluntários ligados ao Clube Assas do Atlântico. Os artistas já não são os “da nossa praça”; quase já não se misturam no canto do chamado “ Bar da Maré” com o público e alguns já dão autógrafos a um número limitado de fãs. As Jame sessions que juntavam no palco ao final da noite os artistas que haviam actuado deixaram de ser feitas. No Bar dos Artistas já só vão os “eleitos”, os que criaram estatuto de VIP, ou os filhos de alguns directores; fotografar no fosso, para além dos profissionais credenciados, só membros da Direcção que por o serem têm direitos adquiridos e alguns fotógrafos ou aspirantes a isso pertencentes ao séquito de alguns dos artistas.
Pouca coisa ainda é como era, mas será que já morreu o tal espírito? Não! Não estou eu pelo vigésimo ano a vender bilhetes? A dar, mais uma vez o meu tempo? A não estar num lugar que me permita fotografar como gostaria se em vez de estar na bilheteira por amor a um projecto estivesse quietinha junto às grades? Não tenho eu à minha volta as amigas de sempre, a equipa que escolhi e da qual fui responsável durante 17 anos? As que estão actualmente e as outras que estiveram ao nosso lado e a vida fez por qualquer razão deixarem de poderem estar disponíveis para um trabalho de 8 a 9 horas sem qualquer retribuição a não ser uma T shirt, duas bifanas, duas bebidas e o poderem ir ao pasto por alguns minutos sentirem o pulsar do espectáculo? O “bar dos artistas” não é, também assegurado, por voluntárias da mesma forma que a bilheteira? Não vejo passar os jovens que vi crescer, quase nascer, nas vinte Marés passadas, vividas nesta praia de sonho neste paraíso que me está no sangue, na vida?
Mas…Mas, o quê, Ana? As pequeninas coisas não minarão o Espírito da Maré, ele irá suportar a evolução. Ou então a Maré deixará de ser Maré e passará a ser qualquer coisa realizada por um Filipe Lá Féria qualquer, um manager sentado à secretária de um gabinete em Lisboa ou noutro sítio qualquer do mundo.
Eu acredito que o “Spirrit” existe e a Maré irá ser Maré de Agosto, Maré de eterna Praia Mar.
Abraços marienses
Santa Maria, 27 de Agosto de 2007
Ana Loura
Há vinte anos deixei o meu primeiro recado à Maré, recado de festa mas acima de tudo de esperança no futuro e agradecimento aos pioneiros que deram o passo que separa o sonho da sua realização, para a concretização que para muitos, no seu dizer, era megalómano, irrealizável, Não faltam nessas alturas os medrosos, os sépticos, os “velhos do Restelo” que vaticinam fracassos e gostariam de ver os sonhos, os projectos não passarem disso para depois se vangloriarem com “e eu não tinha razão? Nunca acreditei que a coisa tivesse pernas para andar” Mas desta vez não se ficaram a rir. A Maré vingou e cresceu e tornou-se mais e mais em Maré (viva) de Agosto.
Desde a primeira hora apoiei este projecto, colaborei na medida da minha capacidade e disponibilidade, quer profissional quer, acima de tudo familiar: colei programas no edifício do terminal do aeroporto, nos supermercados, cafés e bares, pertenci à mesa da Assembleia Geral durante anos e nos terceira edição do Festival fiz, com o Hélder Pimentel, a bilheteira num cubículo de madeira na rampa do pasto, recinto do Festival. Foi no seu rescaldo, na ressaca, com os ouvidos e o coração acalentados pelo som dos Quillaapayun, Manuel Ferreira, Rimanço, Susana Coelho, Gente da ilha, Toques, Extreme e a Brigada Vítor Jara, que, na Faneca, na solidão de um turno de trabalho o escrevi, fascinada pela realidade de um sonho escrevi o primeiro recado.
No Sábado dia 25 de Agosto de 2007 fui entrevistada para um programa que irá ser transmitido pelo ASAS sobre a 23ª edição da Maré e foi-me perguntado se considero que o “Espírito da Maré” que o Antoine de Laborde com o seu sotaque característico “institucionalizou” como “Spirrit da Marré”. Parei por eternos breves momentos: Ainda existe o tal espírito? E nesses momentos vi, mentalmente, flashes dos 23 anos passados, o trabalho de preparação dos festivais, de apoio durante os dias/noites da sua realização, era eminentemente voluntário, para além dos trabalhos executados por funcionários que a Câmara Municipal e os serviços ligados ao Governo Regional disponibilizavam; a exploração do bar era da responsabilidade da Direcção da Associação Cultural Maré de Agosto e assegurada por equipas de voluntários que cozinhavam e serviam desde as sandes até aos churrascos, às bifanas, às feijoadas ao delicioso “frango à pasto” que num ano o saudoso Luís Ribeiro cozinhou. Muitos dos artistas actuavam graciosamente, apenas lhes era paga a viagem, alguns nem isso exigiam, e arranjava-se alojamento em casa de uns e de outros que franqueavam as suas casas muito à moda de Santa Maria. É este viver mariense, estas vivências que fizeram o tal espírito. O pasto era limpo por bandos de miúdos filhos dos elementos da Direcção e de colaboradores, alguns deles são, agora, membros dos corpos gerentes.
Entretanto a Maré “evoluiu”, foi-se alterando. Por opção? Ou tinha mesmo que ser? Alguns serviços foram entregues a equipas pagas, começando pelos que asseguram o controlo das entradas, a segurança dentro do pasto, este já não é limpo pelos miúdos, o bar há já alguns anos é concessionado, embora o serviço continue, como este ano, a ser assegurado por voluntários ligados ao Clube Assas do Atlântico. Os artistas já não são os “da nossa praça”; quase já não se misturam no canto do chamado “ Bar da Maré” com o público e alguns já dão autógrafos a um número limitado de fãs. As Jame sessions que juntavam no palco ao final da noite os artistas que haviam actuado deixaram de ser feitas. No Bar dos Artistas já só vão os “eleitos”, os que criaram estatuto de VIP, ou os filhos de alguns directores; fotografar no fosso, para além dos profissionais credenciados, só membros da Direcção que por o serem têm direitos adquiridos e alguns fotógrafos ou aspirantes a isso pertencentes ao séquito de alguns dos artistas.
Pouca coisa ainda é como era, mas será que já morreu o tal espírito? Não! Não estou eu pelo vigésimo ano a vender bilhetes? A dar, mais uma vez o meu tempo? A não estar num lugar que me permita fotografar como gostaria se em vez de estar na bilheteira por amor a um projecto estivesse quietinha junto às grades? Não tenho eu à minha volta as amigas de sempre, a equipa que escolhi e da qual fui responsável durante 17 anos? As que estão actualmente e as outras que estiveram ao nosso lado e a vida fez por qualquer razão deixarem de poderem estar disponíveis para um trabalho de 8 a 9 horas sem qualquer retribuição a não ser uma T shirt, duas bifanas, duas bebidas e o poderem ir ao pasto por alguns minutos sentirem o pulsar do espectáculo? O “bar dos artistas” não é, também assegurado, por voluntárias da mesma forma que a bilheteira? Não vejo passar os jovens que vi crescer, quase nascer, nas vinte Marés passadas, vividas nesta praia de sonho neste paraíso que me está no sangue, na vida?
Mas…Mas, o quê, Ana? As pequeninas coisas não minarão o Espírito da Maré, ele irá suportar a evolução. Ou então a Maré deixará de ser Maré e passará a ser qualquer coisa realizada por um Filipe Lá Féria qualquer, um manager sentado à secretária de um gabinete em Lisboa ou noutro sítio qualquer do mundo.
Eu acredito que o “Spirrit” existe e a Maré irá ser Maré de Agosto, Maré de eterna Praia Mar.
Abraços marienses
Santa Maria, 27 de Agosto de 2007
Ana Loura