Praia Formosa, 09:20 da manhã, olho a Ponta de Malbusca: que luz fantástica, tiro a tampa à lente, ligo a máquina e…onde está a luz? A luz tinha desaparecido e eu tinha perdido o momento. Disse-me alguém, um dia “…pode não haver segunda oportunidade”. Quantas vezes ficamos pela intenção, adiamos o momento que por sê-lo é irrepetível. Cada momento é único, a mesma água não passa segunda vez por baixo da mesma ponte.
Não é preciso rebuscar muito na minha memória para lembrar as muitas, mas mesmo muitas vezes, em que perdi oportunidades de fazer, ter, ouvir, ler coisas, situações que teriam resultado em momentos de felicidade, de prazer, mas porque hesitei, porque pensei que o momento não seria oportuno o tempo escoou-se e…onde está a luz? Onde está a pessoa com quem queria ter a “conversa da minha vida”? Onde está a fotografia do momento único?
Há dias na Eucaristia dizia o Padre Sérgio que faria na Quinta-feira seguinte anos que o Padre Jacinto tinha falecido. Lembrei-me que andei a “projectar” durante meses a forma de entabular conversa com ele. Eu tinha gostado muito de ouvir as poucas homilias que lhe ouvi e fiquei fascinada com o brilho que os olhos dele tinham quando falava no louco amor de Cristo por nós, na paixão com que nos amava e eu queria conversar sobre isso. Mas, fui adiando por pensar nem sei o quê, o certo é que a conversa não aconteceu e até hoje me arrependo pois acho que teria sido muito bom para mim ter ouvido aquele homem falar de coração nas mãos sobre quem ele amava, também, apaixonadamente.
Mas há acontecimentos que, apesar das minhas hesitações, acabaram por acontecer como eu desejaria, mas nesses casos alguma coisa ocorreu a meu favor e conto-vos este episódio que muitas vezes me aquece o coração: a estrada nº 13 que liga o Porto a Viana do Castelo faz parte de um dos Caminha de Santiago e quase todos os dias quando regresso do trabalho os meus olhos “esbarram” num sinal que indica exactamente isso “Caminho de Santiago”. Um dos meus sonhos é um dia trilhar esse caminho e ao olhar o sinal é assim como uma lembrança de que tenho menos um dia para concretizar esse sonho. Um dia venho eu nessas meditações quando cruzo com uma figura estranha que era a imagem viva de D, Quixote de La Mancha: um homem esguio, ossudo, mal vestido, barbicha pontiaguda a chegar-lhe a meio do peito, chapelinho na cabeça, botas pesadas a aconchegarem-lhe os pés, mochila às costas e pelo retrovisor vejo sobre a mochila a vieira símbolo do peregrino de regresso de Santiago. Penso, meu Deus, este homem deve de estar exausto, será que tem dinheiro para comer? Onde dormir? Eu tinha muito pouco dinheiro comigo e acelero, quero levantar algum dinheiro para lhe dar, preciso levantar dinheiro…e só me lembrava de um Multibanco em Vila do Conde e ainda faltam uns 4 quilómetros, não queria perder de dar alguma coisa que aligeirasse a caminhada daquele homem…acelero mais, chego à rua da caixa, o transito atrapalha e eu com pressa, consigo inverter a marcha, paro o carro de qualquer maneira, deixo-o aberto, vou à caixa e levanto o dinheiro, sento no carro e o telemóvel toca, vejo que não posso deixar de atender a chamada e o tempo a passar, converso apressadamente e retomo o caminho. A partir do ponto da estrada em que acho provável encontrar o peregrino redobro a atenção e abrando, vou andando e nada…o homem tinha-se esfumado, fico triste, mais uma oportunidade perdida e eu que queria tanto encontrar o homem, oferecer do pouco que pude disponibilizar…é impossível, ele não poderia ter andado tanto, chego a uma rotunda e triste, muito triste, desisto. Apesar de já sem esperança vou olhando a berma e o passeio, quem sabe? E em chegando muito próximo do local onde o tinha visto, vejo um vulto sentado num muro, já estava escuro. Não podia parar o carro, a estrada nesse ponto estreita e tem um traço contínuo, mas logo à frente há uma rotunda, olho o retrovisor e vejo o homem a levantar-se e a retomar o caminho, que desespero, não é possível. Paro o carro na tal rotunda, pego o dinheiro, fecho o carro e desato a correr, acho que o meu coração vai rebentar, corro tudo quanto posso e chamo “Irmão”, o homem continua a caminhar, eu a correr e a gritar “IRMÃO”, ele ouve e para, corro até ele, pergunto em inglês se precisa de ajuda, sorri e pergunta onde pode comer, digo-lhe que há um supermercado mais adiante e que penso esteja aberto. Estendo a mão e digo “é para ti, que Deus te abençoe” os olhos dele brilham, aceita o dinheiro e diz “Que Deus te abençoe, também” Sou incapaz de dizer mais seja o que for, viro costas a chorar e certa de que de alguma forma eu acabava de estar em Santiago. Eu quase tinha perdido uma oportunidade, mas tinha conseguido. Agradeci a Deus a ajuda, só com Ele eu podia ter conseguido.
Desta vez eu “ganhei”. Mas quantos momentos perdidos, quantas migalhas desperdiçadas por pensar que quero o pão todo, que mereço mais do que um momento de felicidade. Será falta de humildade, ambição em demasia? Tenho que aprender a agarrar os momentos, a vivê-los como únicos, a saboreá-los como se fosse a última oportunidade da minha vida. Não será fácil, mas valerá, certamente, a pena tentar viver com mais entrega cada hora que passo com os que amo, cada conversa com os que encontro na rua, cada bom dia, cada abraço, mesmo os até logo e até os quando vais.
“Agarra o dia” disse o grande poeta Horácio. Agarremos, então, o dia, todos os dias da nossa breve existência.
Não é preciso rebuscar muito na minha memória para lembrar as muitas, mas mesmo muitas vezes, em que perdi oportunidades de fazer, ter, ouvir, ler coisas, situações que teriam resultado em momentos de felicidade, de prazer, mas porque hesitei, porque pensei que o momento não seria oportuno o tempo escoou-se e…onde está a luz? Onde está a pessoa com quem queria ter a “conversa da minha vida”? Onde está a fotografia do momento único?
Há dias na Eucaristia dizia o Padre Sérgio que faria na Quinta-feira seguinte anos que o Padre Jacinto tinha falecido. Lembrei-me que andei a “projectar” durante meses a forma de entabular conversa com ele. Eu tinha gostado muito de ouvir as poucas homilias que lhe ouvi e fiquei fascinada com o brilho que os olhos dele tinham quando falava no louco amor de Cristo por nós, na paixão com que nos amava e eu queria conversar sobre isso. Mas, fui adiando por pensar nem sei o quê, o certo é que a conversa não aconteceu e até hoje me arrependo pois acho que teria sido muito bom para mim ter ouvido aquele homem falar de coração nas mãos sobre quem ele amava, também, apaixonadamente.
Mas há acontecimentos que, apesar das minhas hesitações, acabaram por acontecer como eu desejaria, mas nesses casos alguma coisa ocorreu a meu favor e conto-vos este episódio que muitas vezes me aquece o coração: a estrada nº 13 que liga o Porto a Viana do Castelo faz parte de um dos Caminha de Santiago e quase todos os dias quando regresso do trabalho os meus olhos “esbarram” num sinal que indica exactamente isso “Caminho de Santiago”. Um dos meus sonhos é um dia trilhar esse caminho e ao olhar o sinal é assim como uma lembrança de que tenho menos um dia para concretizar esse sonho. Um dia venho eu nessas meditações quando cruzo com uma figura estranha que era a imagem viva de D, Quixote de La Mancha: um homem esguio, ossudo, mal vestido, barbicha pontiaguda a chegar-lhe a meio do peito, chapelinho na cabeça, botas pesadas a aconchegarem-lhe os pés, mochila às costas e pelo retrovisor vejo sobre a mochila a vieira símbolo do peregrino de regresso de Santiago. Penso, meu Deus, este homem deve de estar exausto, será que tem dinheiro para comer? Onde dormir? Eu tinha muito pouco dinheiro comigo e acelero, quero levantar algum dinheiro para lhe dar, preciso levantar dinheiro…e só me lembrava de um Multibanco em Vila do Conde e ainda faltam uns 4 quilómetros, não queria perder de dar alguma coisa que aligeirasse a caminhada daquele homem…acelero mais, chego à rua da caixa, o transito atrapalha e eu com pressa, consigo inverter a marcha, paro o carro de qualquer maneira, deixo-o aberto, vou à caixa e levanto o dinheiro, sento no carro e o telemóvel toca, vejo que não posso deixar de atender a chamada e o tempo a passar, converso apressadamente e retomo o caminho. A partir do ponto da estrada em que acho provável encontrar o peregrino redobro a atenção e abrando, vou andando e nada…o homem tinha-se esfumado, fico triste, mais uma oportunidade perdida e eu que queria tanto encontrar o homem, oferecer do pouco que pude disponibilizar…é impossível, ele não poderia ter andado tanto, chego a uma rotunda e triste, muito triste, desisto. Apesar de já sem esperança vou olhando a berma e o passeio, quem sabe? E em chegando muito próximo do local onde o tinha visto, vejo um vulto sentado num muro, já estava escuro. Não podia parar o carro, a estrada nesse ponto estreita e tem um traço contínuo, mas logo à frente há uma rotunda, olho o retrovisor e vejo o homem a levantar-se e a retomar o caminho, que desespero, não é possível. Paro o carro na tal rotunda, pego o dinheiro, fecho o carro e desato a correr, acho que o meu coração vai rebentar, corro tudo quanto posso e chamo “Irmão”, o homem continua a caminhar, eu a correr e a gritar “IRMÃO”, ele ouve e para, corro até ele, pergunto em inglês se precisa de ajuda, sorri e pergunta onde pode comer, digo-lhe que há um supermercado mais adiante e que penso esteja aberto. Estendo a mão e digo “é para ti, que Deus te abençoe” os olhos dele brilham, aceita o dinheiro e diz “Que Deus te abençoe, também” Sou incapaz de dizer mais seja o que for, viro costas a chorar e certa de que de alguma forma eu acabava de estar em Santiago. Eu quase tinha perdido uma oportunidade, mas tinha conseguido. Agradeci a Deus a ajuda, só com Ele eu podia ter conseguido.
Desta vez eu “ganhei”. Mas quantos momentos perdidos, quantas migalhas desperdiçadas por pensar que quero o pão todo, que mereço mais do que um momento de felicidade. Será falta de humildade, ambição em demasia? Tenho que aprender a agarrar os momentos, a vivê-los como únicos, a saboreá-los como se fosse a última oportunidade da minha vida. Não será fácil, mas valerá, certamente, a pena tentar viver com mais entrega cada hora que passo com os que amo, cada conversa com os que encontro na rua, cada bom dia, cada abraço, mesmo os até logo e até os quando vais.
“Agarra o dia” disse o grande poeta Horácio. Agarremos, então, o dia, todos os dias da nossa breve existência.
Que eu nunca deixe que a angústia das partidas me mate a alegria das chegadas
Abraços marienses
Santa Maria, 3 de Setembro de 2007
Ana Loura
Fiquei sem palavras Ana... pensava eu que seria a unica "louca" atras de um desconhecida a pedir que Deus o acompanhasse e como que a pedir tb que rezasse por mim...e que perdoasse uma humanidade tao distante dos Caminhos que nos levam a Deus e que estão tao pertinho de nós: à distancia de um abraço, de um sorriso, de um estender de mão a quem mais precisa... mas que estão tão perto e tão longe, apenas porque deixamos fugir a oportunidade ou então porque o individualismo da nossa sociedade nos habituou a ver tudo isso como algo bizarro..
ResponderEliminarbj ana e fica com Deus!!
Ó Ana que belo texto e que belo gesto teve o teu coração, obrigada por o teres partilhado - Hoje ouvi a tua leitura na rádio mas não lhe dei a devida atenção porque trabalhava, então agora é que a li a crónica do dia e gostei bastante - certas leituras fezem bem para pensarmos quantas vezes podiamos ser mais generosos se os nossos egos não estivesses a maior parte do tempo virados para dentro ... continua assim mas cuidado não corras tanto perigo às tantas ficavas sem carro ou alguem te maltratava por não saber a tua intenção.
ResponderEliminarL.A.
Há coisas que a gente se arrepende toda a vida.Nada a fazer!!
ResponderEliminarNum inesquecível campo de férias aprazava-se a ida para África como missionários leigos,mas perdi o barco pelo receio de enfrentar as então estreitas permissões e crises familiares...