25 de novembro de 2008

Alcides

Ando há algum tempo, diria anos mesmo, para escrever uma crónica sobre uma pessoa que conheci no meu primeiro dia nos Açores. De certa forma já lhe fiz algumas referências nalguns textos. Agora que não há crónicas, o ASAS tirou-me essa possibilidade, aqui, escondida por detrás do turbilhão internético ficará a minha homenagem a esse amigo no dia em que estranhamente a vida o fez presente e ao mesmo tempo ausente. Estou no continente, na casa de Árvore onde acumulei algumas coisas durante os dois anos em que aqui vivi, Baluartes, revistas de fotografia e revistas açorianas que comprei nas minhas idas e vindas. Como no meio disso tudo que irei conservar está algum lixo, hoje estive a fazer uma escolha. Passou-me pelas mãos a revista Açorianíssima de Agosto de 2008 que comprei apenas porque na capa tem uma foto de Alcides e no interior uma entrevista em ocasião do quinquagésimo aniversário da sua actividade na restauração. Antes de a pousar no monte das coisas a serem guardadas o meu gesto foi interrompido por um pensamento: gostava de ter esta revista autografada, vou levá-la. E a crónica? Um dia destes escrevo-a. Pousei a revista, mas senti um aperto no coração.

Como já referi algumas vezes eu vim para os Açores em meados de Outubro de 1980 e passei em S. Miguel rumo ao Faial para leccionar na Escola Manuel de Arriaga. Nessa altura ainda não havia voos directos do continente para o Faial pelo que na minha viagem iniciada no Porto, Aeroporto de Pedras Rubras, mais tarde baptizado de Sá Carneiro (enfim, decisão algo polémica), escalei o Aeroporto da Portela rumo a S. Miguel onde cheguei a um Sábado. Pernoitei na Residencial América pois a minha viagem continuaria no Domingo à tarde. Acordei um pouco tarde, pois tinha passado mal na viagem, mal de que sempre sofri e que só de alguns anos a esta parte se atenuou (aliás tinha aterrado em Lisboa já em péssimo estado), mas acordei com fome. Perguntei na recepção onde poderia almoçar e responderam-me que almoçar ao Domingo em Ponta Delgada era complicado, havia poucos restaurantes abertos (nisso Ponta Delgadaemudou pouco) mas que na rua paralela havia um, o Alcides. Iniciei nesse dia o meu “namoro” com o Alcides, o restaurante, claro. Comi um bife e um pudim de mel que me ficaram na memória. Durante a refeição um senhor alto e muito simpático andava de mesa em mesa a cumprimentar os clientes e notei que falava com alguns como se os conhecesse desde sempre.

Em 16 de Março de 1981 fiz a viagem no sentido inverso só que em vez de rumar ao Porto, rumei a Santa Maria. Voltei a dormir na Residencial América e nesse dia jantei no Alcides. O bife, o pudim de mel e muita simpatia. Em Santa Maria casei, nasceram os meus filhos e sempre que íamos a S Miguel, geralmente para consultas da especialidades, comíamos, pelo menos, uma refeição no Alcides: bife, pudim de mel e muita simpatia. Aquele senhor alto e simpático começou a parar mais tempo na nossa mesa, muitas vezes ia receber-nos à porta, beijava os meus filhos, abraçava-me e tratava-nos por tu, tornou-se um amigo. Ainda me lembro da minha Aninhas sentada num dos bancos do balcão quando o restaurante ainda tinha balcão.

O Senhor Alcides há alguns anos começou a sofrer de Diabetes, a saúde degradou-se, amputou uma perna… Mas não deixou de sonhar de fazer projectos comprou a casa ao lado de baixo do restaurante e começou a fazer obras para a sua ampliação. Dizia-me: “posso não ver concluída a obra, mas é para os meus filhos”

Quando passei em S Miguel na Sexta feira passada eu e a Aninhas fomos almoçar ao Alcides, não vimos o Senhor, estranhamos mas não perguntamos por ele como sempre fazíamos quando não o víamos na sua cadeira de rodas a almoçar com a esposa e algum dos filhos. O bife estava bom como há muito tempo não comia. Há algum tempo troquei o pudim de mel pela mousse de chocolate divinal. Saí de lá satisfeita mas sentindo que me faltava qualquer coisa.

Hoje, ao fim da tarde telefonou-me uma amiga a dar a notícia que o meu querido Amigo Senhor Alcides havia falecido. Estou triste. Estou longe, senão amanhã estaria a despedir-me dele, assim estarão apenas flores a dizerem que o meu coração está lá.


Que descanse em paz, bem merece!

19 de novembro de 2008

Quando for grande...


Em determinado mural está escrito: “O meu sonho de criança: Quando for grande quero trabalhar na ANA (agora ANA e NAV)”

Centenas de crianças ao longo destes cinquenta anos acalentaram este sonho. Umas realizaram-no, outras nem por isso.

A ANA, até há muito poucos anos era uma empresa especial, diferente, em Santa Maria. Comparável, apenas, com a Base das Lajes na Praia da Vitória, Ilha Terceira. A ANA era para muitos a diferença entre ter brinquedos no Natal entregues em festa realizada no Atlântida Cine com filme de desenhos animados, palhaços e não ter nada. Era a escola do Aeroporto onde cresciam e aprendiam as crianças que enchiam os jardins interiores dos Bairros de Santa Bárbara, São Lourenço, as ruas dos bairros das companhias, dos bairros das elites (de pedra e cal, estes), brincavam no Parque infantil. O Aeroporto de Santa Maria era uma realidade fora de qualquer realidade. Crescer no aeroporto era crescer num mundo diferente dentro da Ilha, um mundo onde havia padaria, cinema, ginásio, cantina, o externato, a igreja, as Oficinas Gerais, que fervilhavam de actividade e lá se fazia desde mobílias para as casa até cinzeiros para o ASAS. A pouco e pouco tudo se foi transformando mas é ainda sentimento dos nossos filhos, dos que cresceram no Aeroporto e estão na fase de iniciarem as suas vidas profissionais de que o sonho de criança se realize e entrem para os quadros da ANA. Alguns, poucos conseguem, mas a maioria não… A ANA, por força de muitas circunstâncias já não é o que era, mas o sonho ainda existe…só que são muito poucos os privilegiados que o realizam. Mesmo assim fica a nostalgia de uma coisa que temos a certeza tem o termo certo: O Aeroporto de Santa Maria.
Abraço mariense