Em casa dos meus Pais fomos educados a sermos solidários, o meu Pai pessoa honesta, a minha Mãe também uma grande mulher que sempre retirava do que havia em casa para dar a quem batia à porta em busca de uma “esmola”, as nossas roupas iam, quando deixavam de nos servir para o corpo de quem tinha menos do que nós, (naquele tempo os mais novos vestiam as roupas que deixavam de servir aos mais velhos, os colarinhos eram virados, os sapatos, chancas e botas levavam meias solas pela mão do meu Pai ou pela mão do falecido Senhor Varela), à nossa mesa sentavam-se colegas nossos que situações de vida tornavam a vida mais dura (um dia o Alexandre chega a casa à hora do almoço e traz ao lado um colega, bate à porta, a minha Mãe vai abrir e o Alexandre diz: Mãe o Manuel vem cá almoçar porque o Pai dele foi preso. O Manuel almoçou lá nesse dia e todos os dias até o pai sair da prisão depois todos os Domingos durante muitos anos. Ele e o Vidal, outro amigo, filho de pescadores, alguns irmãos. O meu Pai diz: Na nossa casa o que havia sempre deu para os outros.
A minha mãe conta que um dia ia na “Ponte” e parou um carro ao pé dela, sai uma senhora que a abraça e pergunta: A Dona Margarida não me conhece? Eu matei muitas vezes a fome em sua casa há muitos anos. E contou que estava imigrada há alguns anos num dos países europeus para onde vão muitos dos filhos das terras do Ave, filhos de tecelães das fábricas de têxteis ou de operários das fábricas da sardinha miseravelmente pagos e cujo trabalho quase escravo enriqueceu os senhores que eu via passar de BMW e Mazerattis quando também passava na Ponde fizesse sol ou chuva para apanhar a camioneta em frente do mercado para ir para o Liceu da Póvoa.
Eu naquela altura não entendi muito bem como o Senhor Abel, homem trabalhador, honesto e respeitado tinha sido preso, não entendi porquê quando fomos no passeio da paróquia e passamos em Paços de Ferreira não deixaram gente da nossa terra ir ver e entregar ao Abel um pacotinho com roupa e alguns mimos que a Zeza, sua esposa, tinha mandado.
Fui crescendo e vendo que de vez em quando o rádio que estava na sala não tocava música alto e em vez disso tinha umas vozes diferentes e o som era abaixado e em cima do rádio era posto um púcaro de alumínio com água, naquela altura toda a gente se calava pois o meu pai queria ouvir essa voz, era importante, para ele ouvir. Cresci, mais ainda, e chegou o Maio de 69 e a minha irmã Guida em Coimbra e nós preocupados. Conheci uma família de amigos da minha irmã. Que família linda, os Lopes.
E eu cresci, sim, a interrogar-me e a ter a certeza que a vida em Portugal tinha que mudar, que a reforma do Ensino não podia ser aquela que Veiga Simão, o Governo queriam. Nós estudantes, os professores todos tínhamos direito a discutir a Reforma, a dar opiniões. E reuníamos, clandestinos, a falar baixinho na casa de uns e de outros (todos confiávamos em todos, era preciso confiar) Um dia, o irmão de um amigo da minha irmã aborda-me e diz-me: Ana é altura de ires mais longe, de estares organizada. Queres entrar para a UEC? Eu mal sabia o que era a UEC, mas eu intuía que a Guida estava lá e que era importante. Meses depois conheci o
Vou estudar para o Porto em plena campanha eleitoral para a farsa que o Regime preparava para o “inglês” da opinião internacional ver que sim senhor a “Primavera marcelista” já não era a ditadura fascistas (mas havia quem não se deixasse enganar com as papas e bolos) A oposição aproveitava até ao último segundo, até à última força para esclarecer e para mobilizar, uma fantástica campanha eleitoral foi feita com Virgínia Moura,
Numa Quinta-Feira, cedinho, toca o telefone. A Isabel anuncia-me o dia em que Portugal amanhece livre. Ainda sem sabermos bem o que se estaria a passar. Mas dias lindos de festa, de esperança…25 de Abril sempre, fascismo nunca mais! O Povo unido jamais será vencido!!!!
E veio o tempo das RGAs, da EUC já em liberdade, das Associações de estudantes, da Sede em Aníbal Cunha onde um dia
Carlos Costa me faz telefonista por uns meses e onde Ângelo Veloso me dá um dia um merecido raspanete porque a chamada que ele precisava ainda não tinha sido estabelecida. Vivíamos à velocidade da luz entre as aulas, a associação, a UEC e o partido.
Hoje, trinta e quatro anos passados venho ao Congresso que nunca será mais um e encontro o Agostinho e Teresa Lopes, o António Vilarigues, Margarida Tengarrinha, Carlos Costa e olho-os com saudade, sim, mas certa de que todos eles me fizeram, juntamente com alguns outros, (Irmão Silêncio, Rogério, Maria João, Victor, Natalinha…) ser muito do que sou. Eu acredito numa sociedade sem exploradores nem explorados, que a Paz é possível.
Diz uma das canções que cantamos na igreja. “Pela Graça de Deus eu sou quem sou” e eu entendo que esta Graça está em o meu caminho se ter cruzado com o caminho de todas estas pessoas e, principalmente, ter nascido na família em que nasci.
Ana, continua sempre a ser essa mulher de bem, ao contares um pouco da tua vida e dos teus familiares e amigos, fazes com que a vida pareça menos dificil agora que tudo parece querer voltar aqueles tempos de má memória. Obrigada pelo momento que conseguis-te fazer-nos ver que a vida pode sempre ser diferente basta querer.
ResponderEliminarL.A.
Querida Ana, emocionante este teu texto!
ResponderEliminarQue coisa mais bonita!
ResponderEliminarAbreijos