A Palavra de Deus
«Jesus foi conduzido ao deserto pelo Espírito»
Evangelho segundo S. Marcos 4,1
Turistas ou peregrinos?
A meditação
Jesus não faz turismo. No entanto ao longo de todo o Evangelho, ele aparece como um infatigável caminhante, um itinerante que atravessa a terra da Palestina. As suas deslocações ilustram um aspecto essencial do ser de Cristo: é um peregrino que vem ao nosso encontro, faz o seu caminho até nós, atravessando as nossas estradas, para fazer da sua vida o caminho para Deus. Para isso ele dá o primeiro passo, tomando a iniciativa de se juntar a nós.
O evangelista Mateus fala assim da viagem inaugural de Jesus, símbolo de todas as deslocações ulteriores. Ele menciona três etapas que são lugares onde Israel faz a experiência da presença de Deus e questiona a sua relação com Ele. Locais de prova, de questionamento do nosso relacionamento com Deus: o deserto, o templo e o cume de uma montanha. E o Filho de Deus deixa-se conduzir nesses três lugares simbólicos, porque ele quis viver plenamente a nossa condição humana.
O caminho de humanidade que ele nos pediu emprestado para vir até nós, precisamos de nos empenhar nele pela parte que nos toca. Se cada caminho é único, existem, senão passagens obrigatórias, pelo menos existem «etapas» essenciais. Para fazer do nosso próprio caminho humano uma estrada de libertação e de felicidade, é preciso considerar como Jesus venceu as suas três etapas e pormos os nossos passos nos dele, para ir com ele até ao fim da estrada e aí reencontrar Deus.
A primeira etapa desta viagem situa-se no deserto, local de libertação após a servidão para os Hebreus, mas também local de teste da fome e da sede. Jesus sofre-as ele próprio, pois quando caminhamos devemos refazer as nossas forças. Ao diabo que lhe propõe que faça um milagre para se saciar de alimentos, Jesus responde que o homem não se alimenta apenas de pão mas que a Palavra de Deus é para ele um alimento mais essencial. Não se trata da parte dele de desprezar os aspectos materiais, pois no seu caminho que conduzirá ao reencontro com os homens, Jesus alimentou as multidões, fazendo caridade com o próximo, o mandamento essencial. Mas neste deserto, ele adverte-nos contra uma concepção de felicidade reduzida à satisfação unicamente das nossas necessidades materiais com risco de já não termos ouvidos para a palavra de Deus. Esta ilusão da felicidade que consistiria em sermos saciados «de pão e circo» segundo o velho slogan romano repetido hoje pelas nossas sociedades de consumo. Nesta primeira etapa da viagem, a prova consiste em perguntar aos filhos de Deus, que queremos ser, qual é o alimento que desejamos e que concepção temos nós de Deus: distribuidor gratuito de bens materiais ou o único cuja Palavra refaz as nossas forças?
A segunda etapa conduz Jesus ao topo do templo de Jerusalém, onde o diabo lhe promete que se ele se atirar para baixo não sofrerá nenhum mal, Deus poupando-o do sofrimento e da morte. O nosso caminho passa por esta prova quando nós nos perguntamos como conciliar a nossa fé na Providência de um Deus que nos ama e a experiência escandalosa do sofrimento e da morte. Quando ele for confrontado, como todo o homem chegado ao início da viagem, Jesus não recusará esta prova, porque ela faz parte da condição humana e que ele veio para vivê-la até ao fim, e até ao fim do amor. Ele indica-nos através da sua atitude de confiança total no Pai, o caminho de humanidade que nós podemos seguir. Ele não veio pregar a resignação: ele próprio curou doentes, ressuscitou mortos. Mas ele veio viver estas provas connosco, para nos dar a força para as vivermos nós próprios. Quando Jesus for condenado junto do templo, Deus não enviou os anjos para o livrar da cruz, mas ressuscitando-o, fez da morte natural, unicamente pela força do seu amor, a passagem para a vida.
A terceira etapa, conduz Jesus ao topo de uma montanha, de onde se podem ver todos os reinos. Jesus é confrontado com o orgulho e com o desejo de poder. Exactamente os mecanismos sociais que geram a violência e o ódio têm por fundamento este desejo de domínio. Cristo, ele mesmo, quis ser aquele que serve, para que cumpramos a nossa humanidade, tornando-se servidores dos nossos irmãos.
Estas três etapas do percurso de Cristo reflectem todo o seu caminho de humanidade, que ele percorreu numa atitude filial para com o seu Pai e numa atitude fraternal em relação a nós, seus irmãos. Este caminho, ele propõe-nos que lho emprestemos. O caminho da nossa vida é-nos pessoal, porque a nossa história é única, ao mesmo tempo que se pode juntar ao caminho que Cristo percorreu. E se colocarmos os nossos passos nos dele, então a vida de Cristo torna-se nosso caminho, aquele que nos leva ao reencontro com o Pai.
http://www.retraitedanslaville.org/spip.php?sommaire&date=2011-03-13
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