1 de outubro de 2010

E tu disseste: roubaram-nos o sonho

Tu disseste, roubaram-nos o Sonho
Tu perguntaste, que disse o poeta?
Tu disseste, preciso de notícias do meu país.

As notícias de hoje do teu país são iguais às de todos os dias, as primeiras páginas esgotaram ontem o tema que nos roubou a última réstia de sonho (eu tenho a esperança de que ainda haja sonho, mas eu sou assim, dada a utopias): um homem perdido no mar, outro que morre a fazer poço, a Irlanda atinge défict de 32%, 131 casamentos homossexuais em 4 meses. Ah, cá está: Seis em cada dez euros do esforço de contenção orçamental serão pagos por toda a população, e mais: Estado encaixa 250 milhões de euros com os cortes no abono de família a 1 milhão e 383 mil crianças e jovens, mas não, não fala do poeta.
Será que alguém, ele, se interroga porque o Povo volta a andar de olhos no chão? Certamente ele não! Não verá as lágrimas nos olhos do Povo, o seu olhar perder-se-á para lá dos privilégios. A servidão agora é outra, é a servidão do consumismo alimentado pela banca que suga em juros e comissões até ao último cêntimo, a banca que é protegida e alimentada com o dinheiro do Povo a quem são pedidos mais sacrifícios e aumentados impostos para que seja possível salvar mais bancos da bancarrota. É sempre o mesmo o explorado e são sempre os mesmos os que se safam à custa da exploração e do sacrifício dos do costume. O Povo já disse uma vez NÃO. Está a chegar o tempo de voltar a dizê-lo, mas não será este poeta a semear canções neste vento que passa. Este? Não. Este envelheceu, caducou, aburguesou-se. Eu penso que ele já disse tudo quando disse “O vento cala a desgraça, o vento nada me diz”.


Trova do vento que passa

Autor, o Poeta Manuel Alegre
Autor da música e canta: Adriano Correia de Oliveira





Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

[Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz
nada ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.