24 de setembro de 2007

Casa dos Açores, mais uma "Conversa à roda de..."





Bom dia!
Ainda não é hoje que vos falarei da tal Globalização pois ainda não consegui compor um texto suficientemente sério sem ser demasiado chato e como estive Sábado num acontecimento que merece destaque por estar ligado directamente à Região, embora que não directamente a Santa Maria, que penso ter a oportunidade que daqui a uma semana terá passado à história vos deixo uma nota em jeito de reportagem.

A casa dos Açores do Norte lá vai conseguindo atingir um dos seus objectivos, a divulgação da nossa cultura fora dos Açores, no meio da nossa comunidade residente em terras continentais acima de Coimbra. Não sem dificuldades, não sem algumas limitações: o espaço da sala onde realiza estes eventos na Casa é exíguo, os meios limitados e é difícil mobilizar os açorianos por estarem dispersos. De qualquer forma em pequenas reuniões, jantares/convívios lá vamos tomando conhecimento de obras editadas por alguns homens/mulheres da nossa cultura.

Aconteceu no passado dia 22 mais um “Serão Cultural com Jantar e Música” "Conversa à volta de..."
"Mulher sem Rosto" - texto de Gabriela Silva e pintura de Lourdes Maneta;
"Ilha" - texto de Gabriela Silva e fotos de Kristie MacLean;
"Palavras a Cores" - colecção de postais sobre a ilha das Flores com poemas de Gabriela Silva e fotos de Sandy Ventura

"10 Quadros de Lourdes Maneta" - pinturas do livro;
"O Garajau Desarvorado" - Contos (de S. Jorge) de Artur da Paz - edição da Casa dos Açores da Nova Inglaterra.




















Deliciei-me! E não falo, apenas, da comida simples mas bem a contento. Falo do convívio, da prosa falada e lida por Artur da Paz, um excelente comunicador, que consola a ouvir e cuja prosa fluida e expressiva consola a ler. Querem um exemplo?


O dia depois daquele


Naquela manhã Pai João botou os pés fora da cama mais cedo. Levantava-se sempre a tempo e horas de, cada dia, esperar a camioneta da carreira que da padaria da Vila de S. Roque trazia o pão fresco para vender aos poucos fregueses que, na freguesia, se podiam luxar de comer pão de trigo.

Mas nesse dia, pudera, depois de uma noite muito mal dormida em que os pesadelos o fizeram virar e revirar, uma vez desperto, levantou-se e foi à vida. Começou por, depois da cara lavada, ir ao mato, mesmo ali do outro lado do muro do quintal, a buscar lenha para o forno, que era dia da cozedura de bolo. Deitouabaixo, à foicinhada, alguns galhos de incenso e de faias para ficarem a secar e enfaixou do chão os já secos, e voltou para casa.

Com gestos maquinais e experientes ordenhou a Romeira, a vaca malhada que fazia parte dos cuidados e da riqueza da família e, deixando um carinhoso ‘té logo à mulher que se preparava para a lida da casa, foi a caminho do botequim.

Rezou uma Ave-Maria ao passar ao cemitério, afinal era católico, e debaixo daquela bagacina negra repousavam na saudade os restos mortais de familiares e amigos. “

Se quiserem ler o resto, e acho muito bem que o façam, pois como vos disse acho a prosa uma delícia, terão que comprar o livro e assim contribuírem para a casa de idosos de São Jorge em favor de quem reverte o valor que cada um decide pagar pelo livro.





















O outro autor que esteve “à conversa à roda” dos seus livros foi a Gabriela Silva, Professora aposentada, das Flores, que eu já tinha o prazer de conhecer pessoalmente. Foi membro da Direcção do Sindicato dos Professores e eu cruzei com ela em vários locais em diferentes circunstâncias. Mulher cultíssima de discurso muito agradável. Apresentou três das suas obras: Mulher sem rosto que diz ser um auto-retrato, Ilha, livro de poemas em versão original e versão em inglês no mesmo livro (esta versão dedicada aos emigrantes açorianos de terceira geração) ilustrado por fotografias belíssimas tiradas na Ilha das Flores e uma colecção de 12 postais-poemas-fotos

Abro o livro Ilha à sorte e os meus olhos caem no poema

CONTRADIÇÃO

Amo-te e odeio-te.
Quero-te e detesto-te.
Minha ilha.
Meu amor, minha ira
minha deusa, meu demónio
minha garra com tanto medo
minha fúria com tanta ternura
minha verdade com tanta mentira
minha mentira com tanta certeza
minha loucura tão lúcida
minha lucidez tão louca.
Como gostava de estar longe daqui
para te poder amar
sem estas contradições…”

O agradável serão terminou com o canto de algumas baladas e a leitura de mais um poema do “Ilhas” pelo Presidente da Casa, Dr. José Rebelo.


























Parabéns à casa dos Açores por mais esta realização. Venha a próxima que eu lá estarei.

Abraços marienses

Árvore, 24 de Setembro de 2007

Ana Loura

16 de setembro de 2007

Monólogo ao correr das teclas





Escrevo-te ao som e ao sabor de um biscoito de orelha. Escrevo a ti que nem sei se existes. Mais exactamente, escrevo-te enquanto roo um biscoito de orelha. Acho que sabes o que é um biscoito de orelha, a que sabe, qual o som que retine na tua cabeça quando mastigas um biscoito de orelha, e sabes a que sabe um biscoito de orelha quando o comemos em qualquer outra parte do mundo que não a ILHA. Gosto de falar contigo enquanto o como, aliás eu gosto de falar contigo desde que acordo até que me deito. Sim, eu sei que nem dás por isso pois estes nossos monólogos são tão silenciosos como os segredos que conto às migalhas do meu pão que depois como até à última. Mas eu já teria enlouquecido, será que ainda já não enlouqueci? se não tivesse estes meus monólogos contigo. Hoje, ai hoje, meu querido, já te contei tanta, mas tanta coisa. Contei-te que acordei sem ter dormido, que as horas da noite passaram penosamente lentas e que o meu acordar foi um não ter adormecido e durante essas horas a mesma pergunta sem qualquer resposta foi uma constante: será que tu, aquele que penso me acompanha as horas todas do dia existe? Ou não passas, apenas, de um desejo forte que existas, de uma necessidade premente de te ter do outro lado da mesa e falar-te enquanto como e te conto como foi o meu dia, como foi cada hora em que tenho esta saudade imensa do meu espaço do meu tempo na lha que é minha e ao mesmo tempo não o é. Mas hoje tenho uma coisa muito especial, não o serão todas? para te contar enquanto ambos trincamos um biscoito e enquanto os gatos partem uma garrafa de azeite que desagua no chão da cozinha e o Pedro limpa, do acordar sem ter dormido, como já te disse, fiquei a remoer, a “moer os meus joelhos entre o lodo a e areia enquanto a minha dor cantava de sereia” por não ter projectado um almoço para que os meus pais venham aqui. A minha Mãe adora ver os comboios passar, o metro que tão bem conheces, aqueles que têm a rodinha amarela onde é preciso carregar quando param para que a porta abra, e eu não pensei em nada para o almoço. Mentira! Pensei, sim. Ontem disse ao meu Pai que me apetecia comer peixe assado, mas de repente fiquei amorfa, não me apeteceu ir ao mercado do peixe comprá-lo. Até parece que adivinhava o mar que se iria alevantar ao fim do dia e a noite a cair do sono que não conseguiria dormir que despontava com a lua a nascer na janela do meu quarto. Meu? Será que o quarto onde por vezes durmo e muitas estremunho nos mesmos lençóis é meu?
(Quando penso no meu quarto ainda e sempre será o “meu mundo”. Eu digo: o meu mundo está dentro destas quatro paredes, tudo o que tenho e sou está aqui: os meus livros, os meus cds, as minhas coisinhas estão aqui. Adoro acordar aqui, nesta cama de tantos anos, e imagina tu a ironia da vida que passa a vida a prega-me partidas, agora até um milhafre esvoaça diante da janela que abro mal acordo, outro dia consegui fotografá-lo, mal, tal era a emoção pousado no topo de um poste quase em frente à tal janela do tal quarto onde não durmo faz, hoje, uma semana…tanto tempo. )
Ah, falava eu do almoço que acabei por cozinhar pois saí para comprar dois Gorazes de pinta (aqui diz-se de pinta os gorazes que pescas e têm uma rodinha escura nos opérculos) Assei-o no forno com batatas, preparei uma salada de tomate e uma salada de legumes e assim acabamos por conviver tendo por motivo imediato dois gorazes de pinta assados e uma garrafa de Frei Gigante. Mas o que te queria contar até nem era isto mas as nossas conversas, aliás os nossos monólogos são como as cerejas eu vou falando, falando silenciosamente e contando o que vai fluindo. Mas o ponto mais alto do dia aconteceu no final da Missa à qual fui, àquela, entenda-se porque para mim, de facto, não há Domingo sem Missa nem Segunda sem preguiça. Vi que uma das intenções da Missa das sete seria pela alma do Pai de uma amiga dos meus catorze anos, aliás já te falei dela. Lembras quando jantámos no Caximar, aquele restaurante que fica em cima das rochas da praia das Caxinas que te contei ter sido um bar feito de madeira onde eu e mais quatro amigas (As quatro cavaleiras do Apocalipse, as Beatles, como eram conhecidas por serem quatro, andarem sempre juntas e serem as fãs mais acérrimas dos Quatro de Liverpool) “devorávamos” livros, líamos, trocávamos ideias, impressões sobre eles, declamávamos na esplanada do bar ao sol do Verão, ao som do mar todas as tardes e depois do Verão se despedir aos fins de semana quando as “netas do chapeleiro” vinham da Aguda passar os fins de semana. Como eu cresci nesses dois anos! Nunca li tanto na minha vida, eu, uma menina de catorze anos, tivera a sorte de “cair” por acaso no meio de um grupo de moças muito mais velhas, ajuizadas, ambiciosas culturalmente. Li desde o meu querido Gedeão até Dostoiévski, passando por Régio, Gogol, Kafka, Stefan Zweig e Pessoa. A elas devo muito do que sou. A vida levou cada uma de nós, ou talvez tenhamos escolhido cada uma de nós o nosso destino, longe umas das outras, mas a mesma vida, ou nós, fazemos os reencontros e hoje, porque eu vi o tal anúncio da Missa do terceiro aniversário do falecimento do pai da Luísa eu escolhi a Missa das sete para festejar o Dia do Senhor. A Luísa já há muitos anos vive em França, mas hoje ao sair da igreja procurei na esperança, na improbabilidade de a encontrar (há três anos vi o anúncio da morte do pai da Luísa após o enterro e na Missa do Sétimo dia a Luísa já estava em França). Vi o irmão dela no meio de uma dúzia de pessoas e…Será ela? Parece ela…avanço e paro, amigas comuns olham-me e sorriem como quem, é ela, avança. Ela olha-me e eu: sou a Ana Maria, ela beija-me e diz ah, a Ana Maria. De repente grita: A ANA MARIA????? E caímos nos braços uma da outra lágrima a desaguar nas nossas caras como o azeite da garrafa que os gatos partiram há pouco no chão da cozinha e o Pedro limpou. Trocamos números de telemóveis e prometemos que um destes dias poremos conversas de quase quarenta anos em dia. Hoje é este o meu monólogo contigo que não estás desse lado a acompanhar-me enquanto escrevo o que irei ler amanhã na minha “Crónica do dia” e tu não irás ler porque contrariamente ao que a minha vaidade, a minha imodéstia esperam não irás, mais uma vez, ao Mulheres de Atenas. Imagina que hoje eu ia falar sobre a Globalização…mas são como as cerejas o que penso e te digo a ti que nem sei bem se existes nos nossos monólogos.








Dorme bem…Eu vou tentar.




Abraços




Árvore, 16 de Setembro de 2007




Ana Loura

9 de setembro de 2007

"esta é mesmo a minha ilha"

















































Bom dia!

“…e esta é mesmo a minha ilha, a minha gente…os meus…a minha casa…” Não, esta frase não é da minha autoria, mas poderia ter sido. Quando na noite de Sábado a ouvi ser dita pelo actor da Máquina do Tempo que encarnava o personagem Lourenço Vinhateiro, um dos primeiros Escravos da Cadeinha, no palco instalado no Anjos, mesmo junto à estátua que homenageia Cristóvão Colombo que segundo a História ter-se-á abrigado na acolhedora baía do Lugar dos Anjos aquando violenta tempestade, fiquei emocionada, pensei que era exactamente aquilo que eu sinto em cada regresso “esta é mesmo a minha ilha, a minha gente, os meus, a minha casa…

Mas não é das minhas partidas e regresso que vos vou falar hoje, desse tema já falei em vários tons e cores, as alegres cores das chegadas e das cinzentas e tristes das partidas.

No ano passado a minha estadia estival na nossa ilha terminou antes que a Associação dos Escravos da Cadeinha tivessem realizado a primeira reconstituição do que foi o regresso dos marienses levados como escravos pelos piratas mouros que assolavam as ilhas nos passado remoto. Fiquei triste, mas as ausências potenciam, exacerbam a vontade de estarmos em casa quando as coisas importantes acontecem. Nessas alturas a distância aumenta. Não as físicas, mas as reais. Mas nunca tanto, como quando as coisas em que gostaríamos de participar acontecem, as saudades, a vontade de estarmos são maiores. Recebi, na altura, as fotos que a Laurinda Sousa e o Rui Parece enviaram. Achei lindo o que vi.

Há dias um “outdoor” perto da minha casa anunciava nova reconstituição. Fiquei à espera de ver em algum lado o “programa das festas”. Soube, mais ou menos por acaso que na Sexta aconteceria o lançamento de um livro. Mesmo meia adoentada fui “por essa banda abaixo” e, em boa hora o fiz. Armando Moreira, pintor, encenador, cenografista e dramaturgo, um dos fundadores do Grupo de Teatro Máquina do Tempo, ficcionou três das várias e riquíssimas lendas marienses, “colou-as” e escreveu uma pequena peça de teatro, Correntes de Encanto, que serviria de base à reconstituição histórica do regresso dos Escravos e a posterior criação da Irmandade dos Escravos da Cadeinha que inspirou a criação em 2001 da Associação que tomou a seu cargo a “protecção, promoção e divulgação do Lugar dos Anjos quer na vertente histórica quer na vertente lúdica”. Após o lançamento teve lugar a entronização, a preceito, dos novos sócios.

Sábado a peça foi apresentada ao, quanto a mim, pouco público presente nos Anjos, notei a falta de alguns daqueles que dizem que em Santa Maria não acontece nada, aqueles que, de certa forma, estão ligados a actividades culturais. Sei que estava escuro, o ambiente recriado era medieval, à luz de archotes e ficava difícil distinguir rostos, pessoas. Mas, mesmo assim.

Gostei do trabalho apresentado, do desempenho. Dos come, dos bebes, da actuação da fanfarra dos bombeiros, dos tamborileiros dos nossos escuteiros, do convívio. Dois serões em que valeu muito bem a pena sairmos de casa por tudo e principalmente pelo enaltecer da nossa cultura, das nossas raízes. Gostei da sugestão deixada por Armando Moreira no sentido de tornar o Lugar dos Anjos num ponto forte de turismo cultural da nossa ilha. Parabéns aos Escravos.

Abraços marienses
Algures entre o sonho e a realidade, 10 de Setembro de 2007
Ana Loura

3 de setembro de 2007

Agarra o dia, pode não haver segunda oportunidade




Praia Formosa, 09:20 da manhã, olho a Ponta de Malbusca: que luz fantástica, tiro a tampa à lente, ligo a máquina e…onde está a luz? A luz tinha desaparecido e eu tinha perdido o momento. Disse-me alguém, um dia “…pode não haver segunda oportunidade”. Quantas vezes ficamos pela intenção, adiamos o momento que por sê-lo é irrepetível. Cada momento é único, a mesma água não passa segunda vez por baixo da mesma ponte.

Não é preciso rebuscar muito na minha memória para lembrar as muitas, mas mesmo muitas vezes, em que perdi oportunidades de fazer, ter, ouvir, ler coisas, situações que teriam resultado em momentos de felicidade, de prazer, mas porque hesitei, porque pensei que o momento não seria oportuno o tempo escoou-se e…onde está a luz? Onde está a pessoa com quem queria ter a “conversa da minha vida”? Onde está a fotografia do momento único?

Há dias na Eucaristia dizia o Padre Sérgio que faria na Quinta-feira seguinte anos que o Padre Jacinto tinha falecido. Lembrei-me que andei a “projectar” durante meses a forma de entabular conversa com ele. Eu tinha gostado muito de ouvir as poucas homilias que lhe ouvi e fiquei fascinada com o brilho que os olhos dele tinham quando falava no louco amor de Cristo por nós, na paixão com que nos amava e eu queria conversar sobre isso. Mas, fui adiando por pensar nem sei o quê, o certo é que a conversa não aconteceu e até hoje me arrependo pois acho que teria sido muito bom para mim ter ouvido aquele homem falar de coração nas mãos sobre quem ele amava, também, apaixonadamente.

Mas há acontecimentos que, apesar das minhas hesitações, acabaram por acontecer como eu desejaria, mas nesses casos alguma coisa ocorreu a meu favor e conto-vos este episódio que muitas vezes me aquece o coração: a estrada nº 13 que liga o Porto a Viana do Castelo faz parte de um dos Caminha de Santiago e quase todos os dias quando regresso do trabalho os meus olhos “esbarram” num sinal que indica exactamente isso “Caminho de Santiago”. Um dos meus sonhos é um dia trilhar esse caminho e ao olhar o sinal é assim como uma lembrança de que tenho menos um dia para concretizar esse sonho. Um dia venho eu nessas meditações quando cruzo com uma figura estranha que era a imagem viva de D, Quixote de La Mancha: um homem esguio, ossudo, mal vestido, barbicha pontiaguda a chegar-lhe a meio do peito, chapelinho na cabeça, botas pesadas a aconchegarem-lhe os pés, mochila às costas e pelo retrovisor vejo sobre a mochila a vieira símbolo do peregrino de regresso de Santiago. Penso, meu Deus, este homem deve de estar exausto, será que tem dinheiro para comer? Onde dormir? Eu tinha muito pouco dinheiro comigo e acelero, quero levantar algum dinheiro para lhe dar, preciso levantar dinheiro…e só me lembrava de um Multibanco em Vila do Conde e ainda faltam uns 4 quilómetros, não queria perder de dar alguma coisa que aligeirasse a caminhada daquele homem…acelero mais, chego à rua da caixa, o transito atrapalha e eu com pressa, consigo inverter a marcha, paro o carro de qualquer maneira, deixo-o aberto, vou à caixa e levanto o dinheiro, sento no carro e o telemóvel toca, vejo que não posso deixar de atender a chamada e o tempo a passar, converso apressadamente e retomo o caminho. A partir do ponto da estrada em que acho provável encontrar o peregrino redobro a atenção e abrando, vou andando e nada…o homem tinha-se esfumado, fico triste, mais uma oportunidade perdida e eu que queria tanto encontrar o homem, oferecer do pouco que pude disponibilizar…é impossível, ele não poderia ter andado tanto, chego a uma rotunda e triste, muito triste, desisto. Apesar de já sem esperança vou olhando a berma e o passeio, quem sabe? E em chegando muito próximo do local onde o tinha visto, vejo um vulto sentado num muro, já estava escuro. Não podia parar o carro, a estrada nesse ponto estreita e tem um traço contínuo, mas logo à frente há uma rotunda, olho o retrovisor e vejo o homem a levantar-se e a retomar o caminho, que desespero, não é possível. Paro o carro na tal rotunda, pego o dinheiro, fecho o carro e desato a correr, acho que o meu coração vai rebentar, corro tudo quanto posso e chamo “Irmão”, o homem continua a caminhar, eu a correr e a gritar “IRMÃO”, ele ouve e para, corro até ele, pergunto em inglês se precisa de ajuda, sorri e pergunta onde pode comer, digo-lhe que há um supermercado mais adiante e que penso esteja aberto. Estendo a mão e digo “é para ti, que Deus te abençoe” os olhos dele brilham, aceita o dinheiro e diz “Que Deus te abençoe, também” Sou incapaz de dizer mais seja o que for, viro costas a chorar e certa de que de alguma forma eu acabava de estar em Santiago. Eu quase tinha perdido uma oportunidade, mas tinha conseguido. Agradeci a Deus a ajuda, só com Ele eu podia ter conseguido.

Desta vez eu “ganhei”. Mas quantos momentos perdidos, quantas migalhas desperdiçadas por pensar que quero o pão todo, que mereço mais do que um momento de felicidade. Será falta de humildade, ambição em demasia? Tenho que aprender a agarrar os momentos, a vivê-los como únicos, a saboreá-los como se fosse a última oportunidade da minha vida. Não será fácil, mas valerá, certamente, a pena tentar viver com mais entrega cada hora que passo com os que amo, cada conversa com os que encontro na rua, cada bom dia, cada abraço, mesmo os até logo e até os quando vais.

“Agarra o dia” disse o grande poeta Horácio. Agarremos, então, o dia, todos os dias da nossa breve existência.




Que eu nunca deixe que a angústia das partidas me mate a alegria das chegadas




Abraços marienses




Santa Maria, 3 de Setembro de 2007




Ana Loura