20 de dezembro de 2004

Desejo a todos um Santo Natal

Bom dia!
Andei a semana toda a pensar nesta crónica, em fazer dela um Hino ao Natal. Depois aconteceu uma coisa que me fez ferver e me indignou tanto que mudei de ideia, mas como o que aconteceu no Karaoke da Garrafeira não passou de um simples desrespeito pelos jovens que lá cantaram nas duas eliminatórias e se viram postos num canto por um profissional da música mariense que não tinha passado pelas eliminatórias e afinal aquilo era uma brincadeira (diz-se por cá que brincar é na areia…) E depois quando os jovens perdem o respeito por quem com atitudes destas não se dá ao respeito aqui-del-rei que esta juventude é rasca…
Bom, siga pa bingo…

Estamos no Natal. Agora sim, estamos no Natal. A sociedade de consumo andou um mês inteirinho a convencer-nos que já era Natal, as montras enfeitadas à maneira, muito lindas a convencer-nos de que os produtos expostos por imprescindíveis e maravilhosos nos tornariam os seres humanos mais felizes do mundo neste Natal e que prendas quanto mais caras melhor, que o Natal do carinho e calor humano é coisa do passado ou dos finais felizes dos contos de Natal de Dickens.

Cada vez mais falta a Magia do Natal, a surpresa da prendinha junto ao presépio manhã cedo do dia de Natal. Agora já toda a gente sabe o que irá receber pois até já se pedem as prendas, as cartinhas ao pai Natal e não ao menino Jesus, já não são escritas mas sim pedidas a viva voz ao pai ou à Mãe e satisfeitas na íntegra. Dá-se tudo o que as crianças pedem não vá a criancinha ficar com a ideia de que não é amada pois já não pegamos nelas ao colo, já não as acarinhamos, já não as levamos pela mão à escola e à missa pois não temos tempo. Substituímos o carinho pelo carro a pilhas, pela consola de jogos, pelas Barbies.

Mas apesar de tudo é Natal, Jesus insiste em nascer e os Anjos cantam bem alto “Glória a Deus nas alturas e Paz na Terra aos homens por ele amados” e como Ele a todos ama: Paz em toda a terra e para todos os homens sem excepção, seja branco ou preto, cristão ou não cristão, rico ou pobre, viva no Iraque ou no paraíso Atlântico que são os Açores.

Que todos se rendam e se ajoelhem diante desse menino que nasceu pobre mas trouxe consigo a Luz e é o Caminho a Verdade e a Vida

Cantemos:

Ai, vinde todos à porfia
Cantar um hino de louvor
Hino de paz e alegria
Que os anjos cantam ao Senhor.

Gloria in Excelsis Deo!

Naquela noite venturosa
Em que nasceu o Salvador
Vozes de anjos harmoniosas
Lançam ao céu este clamor.

Eu hei-de dar ao Menino
Uma fitinha pró chapéu
E ele também me há-de dar
Um lugarzinho no céu.

Olhei para o céu
Estava estrelado
Vi o Deus Menino
Em palhas deitado.
Em palhas deitado,
Em palhas estendido,
Filho duma rosa,
Dum cravo nascido!

No seio da Virgem Maria
Encarnou a divina graça;
Entrou e saiu por ela
Como o sol pela vidraça.

Arre , burriquito ,
Vamos a Belém,
A ver o Menino
Que a senhora tem ;

Que a senhora tem,
Que a senhora adora
Arre burriquito,
Vamos-nos embora.

Desejo a todos um Santo Natal
Ana Loura,
20 de Dezembro de 2004

6 de setembro de 2004

Crónica Nº 22- Que a MARÉ não vaze nunca

Crónica Nº 22

Bom dia!

Ora lá se acabaram as férias e voltamos ao convívio com os ouvintes do Asas.

Nesta minha primeira crónica depois das merecidas férias dadas a quem nos acompanha através da rádio quero deixar-vos um texto escrito a 29 de Agosto de 1987 e que tem a ver com o 20 aniversário da Maré, do Festival Maré de Agosto um dos mais antigos do país.

Dizia eu há 17 anos:

Recado à Maré de Agosto

Bem do fundo das minhas recordações emerge uma imagem de maré cheia na preia-mar e tão baixa na baixa-mar que eu, os meus irmãos e os outros putos das redondezas esperávamos com a maior alegria essa maré baixa, pois o areal da "nossa" praia ficava ainda maior, com tantas poças de água que cada um de nós tinha a sua pequena piscina privativa, as poucas rochas ficavam a descoberto e era uma alegria ver os pequenos peixes, as anémonas e as algas, apanhar conchas, búzios, apanhar mexilhões e lapas para o arroz que a Mãe faria.

Maré de Agosto eram as amoras que se apanhavam a caminho da praia, devagar, não fosse a maré estar ainda alta... Maré de Agosto era as marés vivas de S. Bartolomeu.

Hoje, Maré de Agosto é a Festa esperada ao longo de meses. Vivida numa semana, deixando a nostalgia que deixam as coisas tão boas que deveriam nunca acabar.

Maré de Agosto!

Como foi bom o nunca imaginado encontro com a lenda dos Andes, com o espírito de Jara, com a saudade de Angel Parra e todos os amigos de Allende que cantaram e cantam a magia da música Latino-americana e a esperança de que a vida volte a mudar.

Como foi bom reouvir e rever a Brigada da nossa música, da música que faz o pé saltar e as mãos baterem a compasso.

Como foi bom ouvir, embora por escassos minutos o Zeca Medeiros.

Como foi bom reouvir e rever os Rimanço, os Toques e todos os outros que têm feito a Maré subir ao longo destes anos.

Os Extreme. As palavras não têm a força necessária para dizer do quanto senti! A juventude, o som, o espectáculo, a melodia maravilhosa de uma das mais belas baladas que já tenha ouvido. E não ter ficado um disco para os momentos de saudade!

Como foi bom ter os Fringe tão perto com os seus Touros da Terceira, ouvidos e sentidos na quase intimidade da Chaminé. Três grandes amigos da Maré. Amigos da Primeira Hora, do nascer e crescer da Maré.

Como foi bom saber que em Santa Maria há jovens que fazem da música um modo de estar e participar. Foi bom ouvir e ver os Águias dos Açores.

Foi bom ouvir e ver todos os outros que estão na Maré desde o primeiro dia.

Que bom sentir o calor, a força, a "militância" do Antoine Laborde, do Luís Bettencourt, do António Sousa, do Zé Maria Bairos e de todos os outros que deram as suas forças, o seu descanso, o seu melhor para que a Maré fosse, ainda, mais cheia mais Maré de Agosto.

Ao contrário do que desejava no meu tempo de criança, hoje desejo do fundo do coração do uso completo da Razão que a Maré não vaze, que não fique o vazio e a nostalgia sem esperança de que a Maré possa ser e ser, ainda, mais Maré de Agosto para os próximos anos.

Força, amigos, que as esperanças não concretizadas este ano não sejam motivo para o vazar da Maré. Valeu e valerá a pena.

Um abraço.
Santa Maria 29 de Agosto de 1987
Ana Loura

Foi este o meu recado à Maré há 17 anos.

Este ano foi ano de festa, festa que não houve a não ser nos óptimos espectáculos e no antecipar do Festival em dois dias em que o palco foi açoriano e o lançamento do livro, bem escrito pela Laurinda e ilustrado com fotos de todos estes anos, realizado no bar da Maré com a presença de alguns amigos de sempre e outros mais recentes.

Que a Maré não vaze nunca!

Abraços marienses
Ana Loura

Santa Maria, 06 de Setembro de 2004

19 de julho de 2004

Crónica Nº 20- Jazz/Blues nos Anjos

Crónica nº 20
Hoje prometo que não vou falar da visita do Governo e de mais um grito a estragar a paisagem da nossa pacata ilha: o outdor, o enorme cartaz com o desenho do novo matadouro. Continua a parecer que quem grita mais alto, enche a paisagem com metros de auto promoção fala verdade e tem razão.
Bom afinal já falei mais do que pretendia...
Hoje eu quero falar das minhas emoções do fim-de-semana, das minhas decepções e alegrias.
Na Sexta e no Sábado fui aos Anjos. Tinha recebido um convite para assistir a uma conferência sobre fotografia e tinha visto anunciado o festival de música Blues/Jazz organizado pela Associação Os Escravos da Cadeinha e que haveria serviço de restaurante. Eu que andava a precisar de arejar as ideias, sair das minhas rotinas e alimentar o corpo e a mente lá fui com o meu filho aproveitar pois nem sempre "há mais marés que marinheiros", os eventos musico/culturais não são frequentes nas épocas invernosas e agora é um "fartar vilanagem", " não há fome que não dê em fartura", e vamos cedo pois com a fominha de eventos se não vamos cedo estacionas o carro na Vila....
Lá fomos para os comes e bebes do corpinho: aquela gente cozinha que é um assombro. Tudo apaladado, bem cozinhado, fartura, acompanhado com um vinho que também era a preceito... Acabado o repasto fomos ao barracão em frente apreciar as exposições de algumas associações cá da terra que incluíam uma pequena mas interessante mostra de artesanato. Um artesão me chamou particularmente a atenção. Um jovem que com palitos de fósforo constrói miniaturas de casas e fontanários marienses. Muito interessante forma de ocupar o tempo. Lindo mesmo. A mostra estava muito bem montada e apresentada.
Entretanto sentei-me à espera da comida para a mente. Pus-me a olhar de roda, a poisar os olhos na "meia dúzia" de pessoas que estavam no recinto e a pensar: teve esta gente esta trabalheira toda para meia dúzia de gatos-pingados, meia dúzia na qual estavam incluídos eu e o meu filho. Afinal a fome de cultura aqui em Santa Maria é virtual, não existe. "Pérolas a porcos" pensei eu. Vão levar bordoada da velha na minha crónica, como alguém insiste dizer que eu dou mas não dou que eu sou muito respeitadora do outros. Acreditem que fiquei triste por ver tão pouca gente. Começou o espectáculo com o grupo de Maria Viana, uma das poucas vozes femininas portuguesas dedicadas ao Blues/jazz e filha do meu querido e falecido camarada o actor José Viana. Apesar de não ser dona de uma voz potente gostei muito das interpretações suas e do bom grupo que a acompanha. Fiquei absolutamente rendida ao grupo que actuou depois dela, uns galegos que se fizeram acompanhar por um exímio tocador de harmónica de boca. Blues rurais, com tábua de lavar Kazoo e tudo. Um espectáculo. A meio do espectáculo apercebi-me que o recinto ia enchendo e o que ao princípio não passava da meia dúzia dos gatos-pingados já ultrapassaria a boa centena...afinal em Santa Maria há é o mau hábito de se começarem as coisas tarde e a más horas e a malta pensa que é sempre assim e não acredita que uma coisa marcada para as 22 comece às 22:20.
No Sábado repeti os alimentos do corpo que mais uma vez estavam dignos dos deuses do Olimpo. Desde os salgados às esmeradas sobremesas passando pelo vinhinho.
O programa musical começou por uma autêntica surpresa: os nossos polivalente músicos da Ronda da madrugada, os manos Furtado e o Roberto Freitas, os do costume, acompanharam com mestria um senhor que penso canadiano ou luso-canadiano, um interprete fabuloso de Blues. Um extra programa que foi uma delícia. Depois dois grupos do continente fizeram as delícias de quem desceu aos Anjos naquela noite. Perdeu quem não foi. O espectáculo terminou ao jeito do famoso "espírito da Maré" que fez dela o festival mais conhecido e importante dos Açores. Todos ao palco num Anjos all stars . É um bom pronuncio. Acho que teremos daqui a vinte anos a vigésima edição deste festival, só espero que ele não perca o "espírito" e engrandecendo-se não perca a dimensão intimista que teve este ano. Parabéns organização e obrigada pelos momentos de felicidade que passei neste fim-de-semana.
E agora "pérolas a porcos" mesmo: na conferência organizada pelo CAV estivemos menos que meia dúzia de pessoas para além da organização. Só perdeu quem não foi e esses foram muitos...e depois digam que não há, que lá fora é que é bom...
Boa semana
Vila do Porto, 19 de Julho de 2004
Ana Loura

11 de julho de 2004

Crónica Nº 19- Civismo

Crónica Nº 19

Pois é, o nosso Presidente de todos os portugueses lá descalçou a bota, mas acho que ficou com um pedregulho no sapato. Espero que não sejam os pés do povo a ficar feridos com essa pedra. O futuro está aí à porta e irá julgar as atitudes quer de Durão Barroso, quer de Jorge Sampaio.

Civismo: dedicação pelo interesse público, pela pátria; o patriotismo.
Esta é a definição, sinónimo, que encontramos nos dicionários. Ora quem destrói o património comum, se serve dele sem respeitar aqueles de quem o património também o é, não tem civismo, não tem dedicação pelo interesse público, não é patriota.

Ora, os jardins e edifícios públicos, estradas, praias são "interesses públicos" portanto quem os estraga deliberadamente, quem os destrói, quem os suja, não tem civismo, não é patriota. A Praia Formosa é um interesse público, portanto, quem a usa abusando dela e deixando toda a sorte de detritos que a torna desagradável aos olhos e corpos de quem quer usufruir do sol e das cálidas águas do mar numa manhã de Domingo, não tem civismo, não é patriota. Estarão os ouvintes a pensar: Não é forte demais acusar de não patriota quem nas noites de sábado vai beber uns copos ao bar instalado no pasto da Maré e devido ou à escuridão da noite ou de cérebro toldado pela subida da taxa de alcoolémia não acerta com o copo ou a lata no balde do lixo e ela, que chatice, cai no areal? Talvez, mas a culpa não é minha, é do dicionário e dos linguistas que não sabem que numa ilha provavelmente da extinta Atlântida há pessoas que não respeitam o bem comum e só olham para o fundo dos seus copos.

Talvez que alguém pudesse distribuir uns folhetozitos pelos frequentadores do referido bar aquando a aquisição da bebida no acto do pré-pagamento com um mapa a localizar os baldes do lixo e a explicar que deixar cair o lixo no areal não é um acto cívico. De qualquer forma chamo a atenção da Câmara Municipal para o facto de à hora que as senhoras chegam, ontem, na praia já havia muita gente e as senhoras andaram pelo meio dos banhistas a apanharem o lixo deixado pelos tais "patriotas".

Soube que o Governo Regional nos vai brindar com a sua presença em mais uma visita de "desobriga". Os antigos sabem o que era a desobriga: era a confissão anual que os Católicos eram "obrigados" a fazer pela Páscoa de Ressurreição. O nosso Governo também pela obrigação instituída vem cá dizer, pela milésima vez, o que vai fazer mas não vai dizer que não fez, inaugurar com pompa e circunstância aquilo que por ser governo teve obrigação de fazer, mas como quem nos deu um chupa-chupa para a gente ficar muito felizes...
Sei que na reunião de preparação desta visita, o Conselho de Ilha esteve, mais uma vez, a fazer o levantamento dos nossos problemas para os apresentar ao Governo Regional e que um deles é o da saúde e a carência de meios humanos no nosso Centro de Saúde. Está a ser um caso difícil, pois difícil está o faz-se ver ao nosso governo que o problema de facto existe e se tem vindo a agravar de ano para ano.

No dia 03 de Setembro de 2001, o grupo parlamentar da CDU, na pessoa do Dr Decq Mota, apresentou um requerimento à Assembleia, colocando esta questão e perguntando se o Governo Regional previa "tomar medidas a curto ou a médio prazo no sentido de serem providas as vagas de enfermeiro e médico existentes no Centro de Saúde de Santa Maria" e se "Em caso negativo quais são as razões da inexistência dessas medidas?"

No seguimento destas perguntas foi recebida a seguinte resposta assinada pelo Secretário Regional Adjunto da Presidência:
1- A população de Santa Maria tem um excelente rácio utentes/médico 1500 utentes /médico. 2- No que toca a pessoal de enfermagem, a Região tem acautelado que os alunos que terminem os seus cursos sejam colocados segundo um plano que visa a sua distribuição por todas as unidades de saúde da região.
Etc...
Quer dizer que estávamos bem, graças a Deus, mas como agora estamos pior...Bom bom é que a gente não adoeça e não precise...
Haja saúde e que as festas de inaugurações sejam concorridas e esteja sol e que a RTP não se esqueça de filmar para que o partido do Governo vá fazendo uma campanhasinha eleitoral à custa do nosso dinheiro.
Boa semana
Santa Maria, 11 de Julho de 2004
Ana Loura

5 de julho de 2004

Crónica Nº 16- A "Fuga" de Guterres e o Europeu, campeonato, claro

Segui com o maior interesse o Campeonato Europeu de Futebol, sem patrioteirismos exacerbados de última hora, mas o coração a pulsar em sintonia com o resto dos portugueses. Fiquei triste com a primeira derrota, emocionei-me e gritei de alegria com cada golo e fiquei "decepcionada" com a última derrota. Fechou-se o círculo. Mas sem margem para dúvida não estou de luto nem chorosa. A Selecção Portuguesa jogou bem e chegou à final. Venha agora o Mundial.
Mas estas lides futebolísticas não me alhearam do fandango em que anda a política nacional, do ar solene com que o Primeiro Ministro aceitou ser a alternativa possível para um lugar na Europa que os preferidos, os mais aptos, recusaram. Não estiveram para se chatear, e o "nosso" Durão lá embandeirou em arco, inchou que nem um sapo e atento, venerando e obrigado aceitou o que os outros recusaram e ainda tentou convencer o Zé Povão que aceitava, em nome da Pátria de nós todos, fazer o sacrifício de arrecadar cerca de cinco mil contos na moeda antiga, por mês. Vejam só o espírito de sacrifício do pobrezinho: deixar a presidência do governo de que é responsável, o país no tem-te não caias económico, no dilema de se se fizerem eleições antecipadas a economia do país ainda se afunda mais e se não se fizerem a gente não votou para o menino terrível do Jet Set ir para o poleiro embora ele até já tenha mudado de atitudes e tenha tomado um ar de sério e ponderado quase Primeiro Ministro por passagem do testemunho partidário e a democracia não é assim que se pratica e onde estão as regras do jogo, não de futebol que esse agora está de recobro, mas da política do Portugal de todos nós?
O, ainda, Nosso Primeiro calçou uma bota bem apertada ao Presidente da República. Vamos a ver como ele a descalça e se o Povo Português a calça por iniciativa própria e dá um valente piparote no traseiro do partido que anda a brincar e a rir na cara da gente.
A todos boa semana
Santa Maria, 05 de Julho de 2004
Ana Loura

14 de junho de 2004

Crónica Nª 15- Lino de Carvalho e o NAV II- a memória curta




Crónica Nº 15


Acho que todos temos um mau relacionamento com a morte das pessoas, que de qualquer forma, nos são chegadas, fruto de uma educação que não reconhece a morte como um fim natural de todo o ser vivo.

Para nós, os que, por qualquer razão amamos, são eternos. Mas a vida é finita e deveríamos estar sempre preparados quer para o nosso fim quer para o fim dos outros. Mas não é assim, e somos sempre colhidos de surpresa quando morre alguém. Foi assim nestes últimos dias com a súbita morte de Sousa Franco, quase transmitida em directo pelas nossas cadeias de televisão, quer com a morte de Lino de Carvalho.

No caso de Sousa Franco nada fazia prever que a morte estivesse assim eminente. Aparentemente ele "vendia saúde" apesar de se ter concluído, posteriormente, que havia histórico de acidentes cardíacos anteriores mas sem queixas ou diagnósticos.

O Doutor Sousa Franco era um economista de renome que deixa um grande vazio no quadro político nacional. Lino de Carvalho faleceu "vítima de doença prolongada". Mesmo assim fui colhida de surpresa pela notícia da sua morte.


O meu Camarada Lino de Carvalho foi um parlamentar brilhante, senhor de uma cultura invejável, tinha conhecimentos profundos acerca das questões da agricultura e acerca de muitíssimos outros assuntos.

Não tenho, aqui comigo, os documentos que ele apresentou na Assembleia da República aquando da discussão das questões do NAV II, mas é reconhecido, por todas as forças políticas, o seu papel preponderante no desfecho favorável, para Santa Maria, desta importante questão.

Ouvi da boca de deputados e de elementos das chamadas Forças Vivas de Santa Maria, envolvidos na defesa da permanência do NAVII em Santa Maria que Lino de Carvalho facultava aos seus colegas de Parlamento todos os elementos que havia coligido acerca do assunto para que eles fundamentassem as suas intervenções e inclusivamente lhes "soprava" argumentos quando eles estavam a intervir. Essas pessoas estão vivas e podem confirmar o que digo, se os seus interesses partidários não falarem mais alto que a mais elementar justiça.

Na altura em que a Assembleia decidiu pela permanência do NAVII em Santa Maria e a sua ratificação pelo recém-eleito governo, houve marienses que reconhecendo o papel preponderante de Lino de Carvalho nesse desfecho dissesse que deveria ser dado o seu nome a uma das ruas de Vila do Porto. Mas a memória dos homens é curta...e a política nem sempre é clara e dá a "César o que é de César".

Um dia far-se-á história e os marienses saberão quem foram os protagonistas da sua história e quem esteve de alma e coração a seu lado e lutou pelos seus interesses sem esperar louros nem acenar a todo o momento a bandeira da vitória à espera de andor ou poleiro.


Paz às suas almas Obrigada, Camarada Lino pelo teu trabalho em prol daqueles que confiaram em ti. Até sempre!


Boa semana para todos

Santa Maria, 14 de Junho de 2004

24 de maio de 2004

Crónica Nº 13- O que custa levantar dinheiro nos fins de semana e feriados

Bom dia!
Sábado passado quando fui à Vila cruzei com um amigo que vinha com o seu cartão multi-banco na mão e com cara de muito chateado. Tinha recorrido às 3 máquinas existentes na Vila e nenhuma delas satisfez as suas necessidades monetárias, e claro não foi por falta de provimento nas suas contas...
Acontece que as máquinas são exactamente isso, máquinas e só fazem aquilo para que estão programadas para fazerem e se não as alimentam com os euros elas não os podem dar. Se nelas é escrito que a caixa mais próxima fica no Cais do Pico, não pode aparecer no ecrã que a mais próxima fica no terminal do Aeroporto de Santa Maria. Se escrevemos num computador " se você não pagar a sua dívida até ao dia tal procederemos judicialmente" quando imprimimos não poderá dizer " caro cliente você está em falta. Agradecemos que regularize a situação com a brevidade possível"
Mas quanto à falta de dinheiro a um sábado de manhã é uma situação muito aborrecida. Custa a entender que seja possível nenhuma das 3 caixas existentes, duas na CGD e uma no BCA, não terem dinheiro no início de fim-de-semana. Ou estarão as 3 avariadas, o que não é provável, ou alguém, pelo menos duas pessoas, se esqueceram de por ou puseram lá poucas notas.
Imaginemos que o Golfinho tinha vindo, como o previsto, lá ia aquela gente de S Miguel para lá dizer mal, mais uma vez, de Santa Maria. E com toda a razão. Não faz sentido uma pessoa querer gastar do seu dinheiro, fazer umas compritas de artesanato mariense que por acaso até não se vê à venda e não poder comprar nem as bugigangas que têm colado o nome de Santa Maria e são feitas numa linha industrial qualquer da Baixa da Banheira ou Barcelos e podemos encontrar com rótulos de outras terras nas feiras, festas e romarias do continente. Vai mal o Turismo de Santa Maria se quem nos visita não poder levantar o seu dinheirinho nas caixas automáticas e não poderem comprar coisas genuinamente marienses.
Outra coisa que não entendo é como o Governo Regional assina contractos com a Açor Line e esta empresa sistematicamente dá início à sua operação tarde e a más horas. Como é possível ficarem impunes quando os contribuintes dos subsídios que esta empresa recebe para operar ficam no cais de embarque a xuxar no dedo com as férias ou os fins-de-semana estragados porque os gestores da Açor Line se lembraram que tinham que ter o barco operacional tarde e a más horas...e ninguém é responsabilizado, ninguém presta contas, ninguém indemniza. Isto é uma palhaçada...e ainda vêm cheios de sorrisos frente às câmaras e quase garantem que a viagem programada para Sexta a tarde se realiza e o pessoal vai para o cais para embarcar e fica a ver navios em seco...
Bom, mas como tristezas não pagam dívidas, senão as instituições bancárias que engordam com os juros que pagamos e não nos prestam serviço de tarelo aos fins-de-semana não nos mandariam aquelas cartas "simpáticas" e os comerciantes andavam se sorriso de orelha a orelha, vamos é na Quinta Feira, rir das nossas misérias e grandezas E(faz bem à alma e alivia o stress) ao assistirmos à Revista Omessa que irá à cena no Cinema do Aeroporto. Vale a pena, está muito boa, digo eu, porque participo e me divirto à grande.
Divirtam-se que esta vida são dois dias...e esperemos que o Golfinho navegue, haja dinheiro para gastos e artesanato genuinamente mariense.
Bom dia e boa semana!
Vila do Porto, 24 de Maio de 2004
Ana Loura

17 de maio de 2004

Gateways e rotundas

Bom dia!
Têm estado na ordem do dia, nas notícias, nas conversas de café, duas questões relacionadas com o transporte aéreo e Santa Maria. Uma é a das Gateway (portas de entrada de transportes aéreos) e a outra a tarifa única de transporte.
Quanto à Gateway, uma antiga, justificada e viável ambição mariense, sou de opinião de que foi um erro o Governo Regional ter colocado no mesmo saco Santa Maria e o Pico. Creio que esta atitude teve como razão que a facilidade de implementação da medida em Santa Maria, puxasse pelo Pico e fossem aprovadas ambas. Santa Maria tem um aeroporto com todas as condições técnicas e logísticas. Se a medida for aprovada num dia poderá ser implementada no dia seguinte. Já o caso do Pico é diferente quer logística quer tecnicamente: a pista do Pico terá que ter dimensões que permitam aterragem de aviões de grande porte, uma aerogare com condições para voos grandes, controle aéreo de Torre e outras que não serão de fácil concretização e implicam o dispêndio de avultados montantes de dinheiro. Receio que esta opção tomada pelo Governo de enfiarem no mesmo saco Santa Maria e o Pico, pelas dificuldades de concretização neste último, pesem numa decisão negativa que penalizará Santa Maria. Houve neste caso falta de visão política.
Relativamente à tarifa única concordo inteiramente com ela, só estranho que a SATA não a esteja a aplicar, neste momento, esse critério nas suas promoções e estas existam só para os micaelenses, pois se um açoriano de qualquer outra ilha quiser "aproveitar" a promoção terá de pagar a passagem de ligação da sua ilha para S Miguel o que em alguns casos representará o encarecer a tarifa de tal maneira que esta ultrapassará, então, a tarifa de residente, ou, então ir a nado...o que não será muito prático. Não entendo como pode uma companhia onde há capital regional, financiada com dinheirinho nosso, possa ter atitudes discriminatórias em relação aos habitantes das diferentes ilhas. Não sei, até, se isso será constitucional...açorianos de primeira, os residentes em S Miguel, e os outros.
Para terminar vou dar, finalmente, a minha opinião sobre um assunto que já fez correr rios de tinta e saliva nos últimos meses. Não me pronunciei mais cedo porque queria ver em que paravam as modas ver o aspecto e funcionalidade finais para depois, em consciência, dar opinião. É certo que eu nunca tive dificuldades em transitar, passar, circular nas quatro canadas...se ia para a Praia, não tomava qualquer precaução, piscava para a direita, isto se vinha da Vila, e lá seguia eu toda lampeira à minha vidinha. Se vinha da Praia, fazia Stop, esticava o pescocinho e caso não viesse carro da direita ou da esquerda lá ia eu toda contente. E foi assim durante anos. Quando me apercebi e ouvi falar da construção da rotunda fiquei surpresa: pra que raio quer a gente uma rotunda?? Lá vai o Governo Regional esbanjar dinheiro em tolices... Olha a casa é tão linda...Lá se vai o mapa da ilha que o Senhor Saul (pelo que me disseram) mandou fazer há anos...enfim, tanta coisa eu pensei. Tenho lido e ouvido diversas opiniões, quase todas contra. Passei lá na semana passada e ontem e a minha opinião sincera é que está funcional e tirando aqueles dois calhaus (ainda se fosse uma pedrinha da Cré...) até está muito bonita e como eu não tenciono ir passear para lá os meus cães as caixas de saneamento não me metem aflição embora eu ache que se elas ficassem à face do passeio estariam melhor e quem sabe ainda as vão por assim. E lá está o mapinha que há vinte e tal anos tanta gente criticou e apelidou jucosamente com um título que não repito por impróprio de ser dito ao microfone. Acho que a rotunda é uma mais valia pela funcionalidade e pela estética...são gostos eu sei e eu gosto.
Vou esperar tranquilamente pela solução que está a ser implementada junto à escola primária...para já ainda é uma tremenda confusão e eu ontem até já me enganei. Penso que mesmo que provisória deveria de ter de imediato sinalização horizontal: os traços contínuos, os triângulos. Estou confiante que também venha melhorar a circulação na nossa Vila. E até já ouvi dizer que vai ter repuxo e tudo...modernices...Veremos. Aguardarei por que esteja pronta para dar o meu palpite.
Santa Maria,17 de Maio 2004
Boa semana
Ana Loura

10 de maio de 2004

Bull Sheet ou a besta apocalítica

Impossível tirar os olhos do ecrã da televisão. O horror atinge tais limites que incrédula e boquiaberta penso estar a assistir a um filme de terror. É pura ficção o que os meus olhos vêm. Mas a voz do locutor fala no português habitual dos nossos noticiários e o que vejo é real: seres humanos, tão humanos quanto eu, torturam e humilham outros seres humanos, tão humanos quanto eu e quanto eles próprios. "Seres humanos" nascidos e criados na nação "mais civilizada" do planeta Terra são os actores principais deste filme. Como, há muitos anos, no Far West não conheceram limites para conquistarem (quem conquista sempre rouba, diz o Fausto) aos índios as terras e os recursos para se poderem fixar e enriquecer e fazerem dos Estados Unidos um país rico onde a miséria e o desrespeito pelas minorias são de dimensões que ultrapassam a riqueza, os contrastes são escandalosos, um país de Roquefellers e de gente que morre de fome nas ruas perante a indiferença de quem passa, não conhecem limites para se imporem como nação política e economicamente poderosa.
~
Num delírio da mais absoluta loucura divertem-se com o sofrimento e a humilhação que perpetram a filhos do povo que foram "libertar" das garras de um tirano que pelo menos tinha o mesmo sangue que os "libertos".
Falou-se neste Domingo no Apocalipse. Perguntou-se com que olhos olhamos o futuro, se há esperança, se o amanhã de paz é possível.
Sinceramente eu começo a ter vergonha de pertencer a esta humanidade, de saber que o ser humano é capaz de ultrapassar os limites da dor dos outros para seu prazer e alegria. Isto não é novo: tive oportunidade de ver um pouco do filme A Paixão de Cristo, exactamente a cena da flagelação em que os romanos invasores da palestina em nome da mesma "liberdade e Paz" que justificou que o exército Americano, com a conivência de alguns outros países incluindo o nosso pela mão do Senhor Barroso, invadisse o Iraque, flagelassem e crucificaram um inocente (os flageladores soltavam urros de felicidade ao flagelarem Cristo, os olhos brilhavam com o mesmo prazer que vimos nos olhos dos soldados americanos)...
Impossível que os graduados americanos desconhecessem o que se estava a passar. Agora vem o Presidente Bush dizer que lamente e irão ser abertos inquéritos...Bull sheet, como eles próprios dizem.
"Dou-vos um mandamento novo" disse o crucificado. Foi isto há dois mil anos... Haverá, ainda, esperança? Confio, apesar da tristeza que sinto, que ainda há, senão tudo seria em vão.
Boa semana
Santa Maria, 10 de Maio de 2004
Ana Loura

3 de maio de 2004

Dia Mundial do Trabalhador

Como já disse eu não alinho muito com os dias mundiais seja do que for. Acho que, se é importante lembrarmo-nos das coisas elas deveriam ser lembradas todos os dias. Mas a sociedade está assim organizada e lá comemoramos nós o dia Mundial da Criança e aí os miúdos têm tratamento especial nas escolas, dão passeios, comem gelados, vêm filmes, aturam os palhaços que detestam (lembro que uma vez veio cá um palhaço e vi um miúdo com tanto medo dele que chorava agarrado ao pescoço da Mãe), fazem-se colóquios sobre os problemas da infância e pensamos com muita solidariedade nas coitadinhas das criancinhas carenciadas que provavelmente existem mas que estão fora do alcance da nossa vista e muito mais do coração. Depois, há o dia do Idoso, vamos aos asilos, ah, desculpem já não se diz asilo mas Lar de Terceira idade, damos florinhas aos idosos, um docinho não muito doce por cauda da diabetes, saímos e não nos lembramos deles nos próximos 364 dias.
Nesta semana que passou entre outros dias mundiais, nacionais e afins comemorou-se o Dia Mundial do Trabalhador. Não vou dissertar acerca da sua origem Mas vou reflectir sobre o que ele representou num passado recente e o que representa na actualidade.
Eu ainda sou do tempo (adoro esta frase...como ela me faz antiga e conhecedora de factos e situações que os novos desconhecem) em que o sindicalismo era clandestino, em que o governo corporativo português tinha pavor que os trabalhadores conversassem, se juntassem e unissem em torno fosse do que fosse. Sindicatos legais, só os formados pelos bufos dos patrões. Mas os sindicatos existiam e apesar de proibidos eram fortes, tinhas sócios e dirigentes que trabalhavam nas organizações e estavam sempre sujeitos a serem denunciados por algum colega mais lambe-botas. Eram famosos o dos bancários, dos metalúrgicos, dos escritórios, dos ferroviários e mais uns quantos.
Quando aconteceu o 25 de Abril as organizações sindicais tinham poder reivindicativo, eram respeitadas, tinham poder negocial. O Primeiro de Maio foi durante anos uma grande festa. Festa no verdadeiro sentido da palavra, festa em que se festejava sem esquecer que era preciso continuar a lutar pelos direitos laborais. Durante alguns anos a vida em Portugal melhorou, aumentou o poder de compra, os direitos dos trabalhadores foram consignados na lei. Mas quando a alternância democrática fez chegar ao governo partidos ligados aos patrões e ao dinheiro começaram os pequenos ataques a esses direitos, começamos a apertar o cinto, por outro lado as organizações sindicais começaram a desmembrar-se, de um sindicalismo vertical, de classe e forte começaram a aparecer os sindicatos paralelos, o sindicalismo horizontal. Os patrões que antigamente negociavam com um sindicato que representava quase todos os trabalhadores começa a ter mais do que um interlocutor, começa a ver que contentando um dos sindicatos já tem a guerra sindical quase ganha. Temos actualmente sindicatos para todos os gostos e o resultado disso são os contractos a prazo, a perda do direito a um emprego estável. Os contratos a prazo tornam-nos mais fracos pois temos de "andar sempre em sentido" senão no fim do contracto: Rua! Não podemos "levantar cabelo", temos de ter toda a polivalência que o patrão entender. Lá se foram os contractos colectivos, lá se foi a unidade dos trabalhadores.
Tem esta reflexão a ver com a indiferença com que vimos passar o Dia Mundial do Trabalhador, o Primeiro de Maio. Os trabalhadores ficaram em casa, não festejaram nem reivindicaram. Não estão preocupados com a avalanche de despedimentos e de falências. Há uma apatia e uma falta de participação que me preocupa, me faz pensar nos próximos actos eleitorais, no exercício de um direito fundamental para a democracia: o voto. Cada português que se abstém de votar abre a porta ao oportunismo político, enfraquece cada vez mais a democracia.
A tendência crescente para a abstenção é preocupante. O descrédito em que está a cair a democracia tem que ser seriamente estudada e encontradas formas de envolvermos, de novo, todos os portugueses na vida democrática.
Espero que, com esta pequena reflexão tenha contribuído para iniciar o debate sobre as suas causas e a forma de alterarmos o estado de apatia instalado relativamente à vida política Regional, Nacional e Europeia.
Boa semana para todos
Ana Loura
Santa Maria, 03 de Maio de 2004

26 de abril de 2004

Crónica Nº 9 Dia da Liberdade, 30 anos

Hoje é quinta-feira, a minha primeira aula é oficinas de serralharia, ando a fazer uma régua na forja, a aprender a fazer esquadrias. São 07:15 da manhã, estou a tomar duche e o telefone toca...que chatice quem tem a lata de telefonar a uma hora destas... O resto das pessoas da casa dorme. Salto da banheira a resmungar, enrolo-me no lençol de banho e corro a atender a porcaria do telefone. Digo baixinho tou? Respondem Ana é a Isabel, olha o Humberto recebeu um telefonema do jornal a dizer que há uma revolução. Achas que há aulas? Respondo Revolução? Vamos ver se há aulas. Obrigada beijinho até daqui a pouco. Vou ao quarto e chamo Guida! Guida! Ela acorda a custo e pergunta o que é que queres? A Isabel telefonou a dizer que está a haver uma revolução e a Guida responde ensonada Foi hoje. Acabo de me preparar e vou para o instituto, corre à boca pequena que o Mestre é colaborador da PIDE, o ambiente é de expectativa, nós ainda vestimos as nossas batas, o homem anda de um lado para o outro cabisbaixo...é-nos dito, passados uns minutos, que não há aulas que os alunos devem ir para casa. Eu, a Isabel, a Irene e mais um colega cujo nome não recordo, decidimos ir para a baixa a pé, mas como a baixa fica longe pedimos boleia...

Começaram assim dias de euforia em que íamos a casa tomar duche, engolir qualquer coisa dormir o mínimo possível e voltávamos para a rua para darmos vivas aos militares e vivermos cada intenso minuto. O primeiro Primeiro de Maio foi a apoteose desta festa que nos irmanou nas ruas da cidade do Porto como nas ruas de todo o País. Era a festa, Festa da Liberdade.

Liberdade. Mas que vem a ser essa coisa de Liberdade. Mas liberdade de e para quê? Mas tu não eras livre? Qual a diferença entre o antes e o agora? Como diz a canção "Liberdade de mudar e decidir" No dia vinte e cinco de Abril de 1974 os Capitães que fizeram a Revolução, depositaram nas mãos do povo português a liberdade de mudar e decidir sobre o seu próprio destino.

Diz uma amiga minha que "uma das grandes e maravilhosas diferenças nesta revolução foi que talvez pela primeira vez na História os militares que a fizeram não quiseram o poder que haviam conquistado!!"

Antes? Antes era assim: Para entrares para um emprego ligado ao Estado tu tinhas de assinar uma declaração em que não estavas envolvido em qualquer actividade contra o Estado, eras obrigado a votar e a votar na única lista que concorria às eleições, a lista da situação, do governo e poder únicos, não podias exprimir qualquer opinião que fosse diferente às linha de pensamento e política desse governo "eleito" através dessas eleições de lista única e voto obrigatório. Quem pensava diferente ou se sujeitava a ser preso ou se exilava num país estrangeiro. As prisões estavam cheias de opositores ao antigo regime. Lá se torturava se matava em nome de uma paz podre do "orgulhosamente sós"e de um regime totalitário e ilegítimo que isolou completamente Portugal do resto do mundo e votou o Povo à miséria económica e cultural. "Eles" prenderam e mataram pessoas que pensavam diferente deles mas não mataram as suas ideias que clandestinamente passaram de boca em boca, "porque há sempre uma candeia dentro da própria desgraça. Há sempre alguém que semeia canções no vento que passa", e o pensamento, o desejo de liberdade foi um rastilho, foi uma canção cantada baixinho que os militares de Abril cantaram e empunharam em nosso nome e com o nosso apoio.

Deixo-vos dois poemas que distam trinta anos um do outro

De José Carlos Ary dos Santos excerto de:
As Portas que Abril abriu

«Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.
(...)
Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado
pelas ideias nazis
pelo dinheiro estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado
que até hoje já se diz
que nos tempo do passado
se chamava esse país
Portugal suicidado.
(...)
Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.
Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.
(...)
Foi esta força viril
de antes de quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril
fez Portugal renascer.
E em Lisboa capital
dos novos mestres de Aviz
o povo de Portugal
deu o poder a quem quis.»

De Manuel Alegre
Abril com "R"

Este poema carece de uma pequena explicação. O Governo da República fez colocar, nos últimos dias, uns cartazes em diversos locais onde se afirma que Abril é Evolução. Cá para muitos de nós eles esqueceram de escrever o r e castraram a palavra Revolução

Trinta anos depois querem tirar o r
se puderem vai a cedilha e o til
trinta anos depois alguém que berre
r de revolução r de Abril

r até de porra r vezes dois
r de renascer trinta anos depois

Trinta anos depois ainda nos resta
da liberdade o l mas qualquer dia
democracia fica sem o d.
Alguém que faça um f para a festa
alguém que venha perguntar porquê
e traga um grande p de poesia.

Trinta anos depois a vida é tua
agarra as letras todas e com elas
escreve a palavra amor (onde somos sempre dois)
escreve a palavra amor em cada rua
e então verás de novo as caravelas
a passar por aqui: trinta anos depois.»

Viva o 25 de Abril, Viva a Liberdade!

Ana Loura
Vila do Porto, 26 de Abril de 2004

19 de abril de 2004

Crónica nº 8 Manifestamente actual

Crónica Nº 8
Pois é...andei a tentar organizar a minha papelada...detesto ter que fazer esta tarefa sempre inadiável e infindável, pois acabo por não deitar nada no lixo e o tempo corre, comigo a reler papeis velhos e a relembrar coisas que se passaram e nas quais já não pensava "há séculos".
Um desses papéis foi o manifesto Eleitoral da CDU para as eleições para a Assembleia Legislativa Regional de há 8 anos.
Dizia a introdução que os objectivos da candidatura eram: Aumentar a expressão eleitoral da CDU de modo
a: -Impedir a formação de uma maioria;
-Impedir a bipolarização;
-Ser uma voz activa sem estar comprometida quer com o poder regional quer com o poder nacional;
- Manter o diálogo com os deputados da CDU na Assembleia da República...e aqui relembrávamos o papel fundamental da CDU, primeira força política a apresentar um documento sobre a importância da permanência do NAV II em Santa Maria, facto que muita gente propositadamente e em favor próprio ou da força política a que está ligado e desvirtuando a verdade, esquece ou distorce.
Passávamos, depois, a enumerar aquilo que pensávamos serem os problemas que existiam em Santa Maria e que pensávamos serem urgente resolver e aí pasmemos...o manifesto parece ter sido escrito hoje...exceptuando no que se refere a algumas estradas que já foram reparadas, à questão da distribuição da água à lavoura que estará parcialmente resolvido, embora à custa da provável diminuição do caudal do abastecimento às populações pois em vez de se ter aberto furo próprio se vai utilizar os furos existentes...Enfim, opções que o futuro se encarregará se julgar...De resto passados que são oito anos da data em que escrevemos o manifesto continuam por solucionar ou concretizar a rede de abate e frio que consideramos fundamental para a economia da ilha pois deixaria de haver necessidade da exportação do gado vivo com os consequentes transtornos que acarretam (rezes que morrem no navio, perda de peso que tem que ser compensada no destino com recurso a rações, desvirtuando a qualidade da carne açoriana impedindo a atribuição do famoso selo de garantia)
Preconizávamos o apoio à diversidade na agricultura (e há 3 anos falamos no apoio à criação de produções agrícolas alternativas).
Nas pescas atribuição do rendimento mínimo garantido à pesca artesanal devido ao seu carácter sazonal, a reparação de portos e portinhos.
Chamamos a atenção para o recurso sistemático das entidades públicas ao trabalho precário (a recibo verde e a termo certo) aos concursos que são preenchidos não se sabe muito bem como...
Outra das questões focadas era relativamente ao Turismo e ao preço das tarifas aéreas que deveriam, quanto a nós, diminuir. Infelizmente continua a não ser fácil de eleger os Açores e muito menos Santa Maria como destinos turísticos. As passagens continuam demasiado caras. Pelo preço de uma vinda aos Açores de uma semana vai-se quinze dias a Londres ou a outra cidade Europeia ou quinze dias às Canárias.
A questão da saúde, pasme-se, piorou no que se refere aos médicos de Família a base de qualquer centro de saúde. Continuamos sem técnico de fisioterapia, sem hemodiálise, sem um centro de apoio, em S Miguel, para as parturientes e seus acompanhantes deslocados.
Relativamente ao ensino já algumas coisas melhoraram embora nem tanto como nos queres fazer crer. As tão fotografadas obras na escola Secundária não impedem que os nossos filhos quando têm que se deslocar entre pavilhões em dias de chuva fiquem molhados...A qualidade do ensino melhorou, mas ainda há muitas carências e muitas férias prolongadas por atestados.
Os jovens da ilha não têm, todos, as mesmas oportunidades culturais embora os Postos de informação Juvenil tenham vindo abrir janelas culturais.
Enfim, passados que são 8 anos, tanta coisa por resolver, tanta promessa que foi feita e não foi cumprida. Tanta coisa que os governos saídos das duas eleições não fizeram apesar de durante a campanha terem prometido e afirmarem serem prioritárias.
Os motivos que nos fizeram candidatar nessa altura são os mesmos que nos farão candidatar agora.
Mais uma vez colocaremos à consideração dos marienses as propostas que julgamos representarem as melhores para o futuro da ilha. Desejamos contribuir para que não se passem mais oito anos sobre estas questões que enumerámos e outras, sem que elas sejam resolvidas. Queiram os marienses confiar no nosso trabalho.
Que daqui a oito anos ao remexer os meu papeis e ao encontrar o manifesto deste ano sorria satisfeita ao constactar que, finalmente, a maioria dos problemas existentes na ilha foram ou estão a ser resolvidos para uma melhor qualidade de vida e progresso que Santa Maria tem direito dentro do quadro regional, nacional e europeu.
Santa Maria, 19 de Abril de 2004
Ana Loura

12 de abril de 2004

Crónica Nº7- Abriu a época da caça...ao voto

Crónica Nº 7
Abriu a época de caça...ao voto!!
Nem é preciso abrir muito os olhos para vermos a publicidade enganosa que os grandes partidos nos metem descaradamente pelos olhos dentro.
Enganosa porque nos querem convencer que fizeram o que tinham obrigação de fazer unicamente porque são bonzinhos e não porque tinham obrigação de o fazer. Em S Miguel eles degladiam-se através dos gigantescos "outdors" como se quem gritar mais alto é quem tem razão. O PSD diz que nunca se viveu tão mal nos Açores, que há desemprego...o PS diz que nunca se viveu melhor, que isto é um mar de rosas...
Vive-se melhor nos Açores! Não podemos, em abono da verdade, dizer o contrário. Mas poderia ser diferente? Poderíamos ter ficado como há dez ou quinze anos atrás? O progresso era inevitável e obrigatório. Agora, a questão fundamental é saber se o progresso chegou a todos os Açores da mesma forma e com a mesma intensidade, se o progresso e a justiça social chegaram a todos ao Açorianos. A resposta a estas questões é um não, um não tão grande como o sorriso com que o Governo e o partido que o apoia, o PS, nos querem convencer que o progresso nos Açores é obra da boa vontade deles e não uma obrigação inerente ao facto de se terem candidatado e terem sido eleitos. Os Açores não estão desenvolvidos de uma forma harmónica. O desenvolvimento é feito nas ilhas ditas maiores, onde se podem colher dividendos políticos, onde os lobbies são mais fortes. E aqui a política do PS é idêntica ao que foi a política do PSD quando nos governou.
Todos os dias os meus olhos esbarram num cartaz enorme estrategicamente plantado na Avenida de Santa Maria. Aí se diz, num grafismo apelativo, que o número de médicos aumentou nos Açores. Acredito ser verdade. Falta dizer em que ilhas. Certamente em Santa Maria não será. Aqui está um dos exemplos mais flagrantes da tal publicidade enganosa: não se dizendo mentiras não se diz a verdade.
No nosso Centro de Saúde já estiveram colocados, no tempo da política dos Médicos à Periferia quatro clínicos gerais. Neste momento temos dois efectivos e uma médica deslocada. Ora uma questão de imediato me surge: se esta médica não faz falta ao hospital que a cede sem prejuízo do serviço que presta, senão não a cederia, faz falta ao nosso Centro de Saúde e pode estar cá, porque não é transferida definitivamente para cá??? O que impede que isto aconteça??? Que interesses estão por trás disto?
Mas a questão fundamental é saber porque não há, de facto, mais médicos em Santa Maria; saber porque, por exemplo, deixaram o Dr Borges ser transferido sem ser, previamente, substituído; saber porque não concorrem médicos para Santa Maria.
A resposta é que a política dos médicos à periferia acabou e, claro, não há médicos que queiram vir para a periferia ganharem o mesmo que nos grandes centros sem o conforto de vida destes. Falta os tão falados incentivos económicos para facilitar a vinda e fixação de novos médicos. Uma coisa eu não entendo: se há dinheiro para pagar horas extraordinárias aos médicos existentes, como não há dinheiro para os incentivos?
A quem serve esta política? Certamente não é ao doente, ao Povo que paga os seus impostos e passa horas à espera de ser atendido na urgência (há dias passei na urgência do nosso Centro de Saúde e estava lá uma senhora desde as nove horas da manhã com um menino de uns 6 anos à espera de se atendido e já eram mais de três da tarde...) e a quem telefonam a dizer que a consulta não é hoje mas daqui a x dias porque o médico está indisposto. Os nossos médicos andam cansados por causa dos dias seguidos de serviço nas urgências e consultas e nós utentes descontentes com o serviço prestado apesar do grande esforço dos profissionais. Mais uma vez pergunto a quem serve esta situação, claro que não é ao doente...
Como diz o José Ricardo a saúde em Santa Maria está doente, muito doente. E só haverá cura para os seus males quando tivermos um governo que não faça obras de fachada, não inaugure com pompa e circunstância o que construiu com o nosso dinheiro, fazendo-nos crer que nos fez um grande favor.
Parece que com este tipo de publicidade eleitoral querem aplicar o ditado popular "com papas e bolos se enganam os tolos" mas o Povo não é tolo e sabe ver para além dos cartazes.
Boa semana
Ana Loura
Vila do Porto, 12 de Abril de 2004

5 de abril de 2004

Crónica Nº 6- "Quero ver Jesus"

Que me perdoe o meu querido Amigo Valente se "lhe roubo" a originalidade mas não resisto...
A nossa Ilha está a ser, lentamente, transformada numa ilha de aspecto tropical, andamos a querer fazer concorrência às Canárias e ao Havai: primeiro foram as palmeiras plantadas na Praia, depois na avenida e na "estrada do meio" junto à cooperativa de habitação, depois, ainda, frente à escola primária da Vila...e agora na estrada de baixo. Será que não haveria dentro da nossa variada flora tradicional arbusto ou árvore que nos alindasse as bermas e passeios sem descaracterizar a paisagem? Ou será que basta intercalar os novelões para termos a certeza de que estamos numa ilha açoriana?
"Quero Ver Jesus"
Realizou-se, ontem, no hangar do Aeroporto a Missa de Domingo de Ramos em que a Igreja Católica comemora o Dia Mundial da Juventude. O título da mensagem que o Santo Padre escreveu para este dia é "Quero ver Jesus".
Ver Jesus onde? Como? E será que O quero mesmo ver?
Ver Jesus no outro que sofre, no outro que precisa, e que está mesmo aqui ao lado, na minha rua, no meu bairro, na minha ilha. Mas geralmente nós só vemos os nossos problemas e valorizamo-los de tal forma que só eles existem, somos os mais infelizes, os mais carenciados e os outros não existem para além do horizonte do nosso umbigo e hipocritamente olhamos como quem não quer ver, sorrimos e passamos adiante. Lembra-me uma canção do meu tempo de juventude, dizia o cantor qualquer coisa como isto: ..."Você quando vê um mendigo cospe no chão mas se alguém o olha estende-lhe a mão, é um homem feliz. Feliz como os bois o são nos currais e são tão felizes os animais"...Somos felizes ignorando a miséria, a dor alheia. Ignorando, não, fazendo de conta que não a vemos.
Falou-se na Missa sobre este tema, os jovens e os restantes presentes aplaudiram estrondosamente, mas...será que o que ouvimos provocará uma mudança da nossa atitude? Será que as escamas que nos cegam caíram e reconheceremos no que precisa, nem que seja do nosso respeito, de uma palavra, do muito que resta da nossa fartura, para não falar do que nos faz falta, o rosto de Jesus? Ou será que continuaremos na nossa vidinha do costume e as palavras que ouvimos não passaram de palavras lançadas ao vento e que caíram em saco roto?
Visita secreta?? Esteve de visita a Santa Maria, neste último Fim de Semana, o Senhor Ministro dos Transportes. Discreto, sem comitiva, quase anónimo. Consta que veio inteirar-se, no local, da importância e funcionamento do Centro de Controlo Oceânico, vulgo NAVII. Esperemos bons frutos desta visita de trabalho.
Ana Loura
Santa Maria, 05 de Abril de 2004

29 de março de 2004

Crónica Nº 5- Solidão

Bom dia!
Há dias conversando com um amigo “virtual”, que “conheci” na Internet, sobre as minhas crónicas, ele sugeriu-me o tema da solidão e das relações que se criam entre as pessoas nas diversas formas de comunicação. Bom, no fundo, penso que serão dois temas num, pelo que irei, hoje, abordar o problema da solidão como tal.
Há pessoas que estão sós por opção ( Monges de algumas congregações, por exemplo os Trapistas, Carmelitas…) mas que não se sentem solitários porque estão espiritualmente juntos de Deus.
Tenho um medo horrível da solidão, de me sentir abandonada, de não poder comunicar, de não receber e enviar ideias, palavras e que estas não sejam entendidas/”digeridas” por quem as recebe, não ter retorno, o “Roger” aeronáutico. Não quero que o que digo não volte transformado por quem recebeu, como o eco que ouço quando ando num corredor do serviço e de repente sinto passos iguais aos meus vindos na direcção oposta e que mais não são que o eco dos meus.
O Homem é um animal gregário, aprendi eu nas aulas de filosofia que me queimaram alguns neurónios há uns anos acrescentados. Que palavrão era aquele do gregário??? Explicava o prof que nós nascemos para vivermos em sociedade, juntos, comunicarmos e trabalharmos para a felicidade comum…balelas, lérias…bom, bom é cada um por si, olharmos cada um para o nosso umbigo e os outros que se lixem…pensa muita gente.
Mas não me sai da ideia uma estória que ouvi quando criança e que sempre me impressionou muito mais do que o caçador a abrir a barriga do lobo e tirar de lá a assarapantada avozinha do capuchinho que tinha sido tragada de uma só vez pelo lobo: Um filho que leva o pai velhinho para um monte para ele passar lá os seus últimos dias, dá-lhe um cobertor para que se agasalhe. O pai pede ao filho uma faca, corta o cobertor a meio e dá uma metade ao filho que perplexo lhe pergunta porquê. Responde o pai. “Para tu usares quando o teu filho te trouxer para aqui” O filho pensou por uns segundos, os seus olhos encheram-se de lágrimas, pegou no pai e levou-o para casa…Diz sabiamente o Povo: “Filho és, pai serás”
O problema da solidão é um dos mais graves da sociedade actual, engavetamos os idosos, os deficientes, os menos aptos e somos todos muito felizes porque alguém, que não nós, cuida deles.
Na nossa ilha há pessoas que vivem na total solidão…Um dia destes um amigo, que por ser ministro da comunhão, vai a casa de pessoas que por várias razões não podem deslocar-se à igreja, disse-me que alguém lhe terá dito esperar ansiosamente pela vinda dele pois era a única pessoa com quem falava. Este é um exemplo…Quantas pessoas não estarão na mesma condição…à espera de ouvir uma voz, receberem um sorriso, uma palavra de conforto. E não é uma televisão ligada o dia todo, e à qual já nem ligam a mínima atenção, que os tira da solidão. Nos recolhimentos, nas instituições de solidariedade, nos hospitais e mas suas próprias casas preambulam e estão acamados mortos vivos vazios de carinho e atenção e cá fora andamos nós de consciência tranquila porque “a sociedade” cuida deles. Dormimos nas nossas camas, sonhamos com o amanhã e acordamos para mais um dia de trabalho sem sequer lembramos que a pouca distância de nós há alguém que morre à míngua de atenção, de diálogo, de presença.
Ontem a Diocese dos Açores, assinalou o dia do doente. Outras datas, como o dia da Caritas diocesana, o dia mundial contra o cancro, da sida, e tantas outras são assinaladas e festejadas. Nós damos a nossa esmolinha, viramos costas e “fizemos a nossa obrigação”. Será que fizemos? Metamos a mão na consciência, será que fizemos?
Estamos a menos de 15 dias do fim da Quaresma, tempo de, como Jesus, passarmos ao Deserto, meditarmos sobre o nosso papel na sociedade e mudarmos de atitude, decidirmo-nos a envolvermo-nos nas causas da solidariedade para com aqueles que precisam do nosso sorriso. E não nos desculpemos esfarrapadamente, não falta onde o fazermos. Tentemos, ao menos.
De António Gedeão: Poema do Homem
Sós, irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
e ninguém nos conhece.
Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem
Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de outro se refracta,
nenhum ser nós se transmite.
Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.
Dão-se os lábios, dão-se os braços
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, e dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.
Mas este íntimo secreto
que no silêncio concreto,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarçe,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se, e desflorar-se,
é nosso de mais ninguém.
Santa Maria, 29 de Março, de 2004
Ana Loura

22 de março de 2004

Crónica Nº 4

Bom dia!
Há cerca de 40 anos ouvia-se muito uma canção de um cantor de extrema esquerda,Tino Flores, cuja primeira quadra era assim:
Fui á caixa do correio
E fiquei atrapalhado
Ao ver o papel da tropa
A dizer que fui chamado.
Actualmente ninguém fica atrapalhado por ser chamado para a tropa pois esta em nada se compara com a daquele tempo, já não há guerra colonial, já não se mata nem morre na tropa, a não ser por acidente ou doença natural, claro.
Bem e vem isto a propósito de quê ? Perguntarão os ouvintes.
De um simples desdobrável que entre outra correspondência e o Renovar que o Adriano prepara com tanto carinho, estava na minha caixa de correio. Pois é, o bendito desdobrável pôs-me atrapalhada, diria mais: revoltada, a ferver… E perguntarão vocês de novo: onde quer esta chegar ? Recebemos sempre tanto folheto… ele é dos saldos, do stand de carros usados, do supermercado… nada de mais…
Simples: o folheto de cuidado grafismo, 10 fotos bem tiradas (certamente por um profissional ) impressão esmerada, a cores, é um info-mail, um papelinho dobrado em 3 que vai para as caixas de correio de toda a ilha, todas as caixas de correio mesmo, todas as casas marienses o receberam, com a assinatura do governo regional dos Açores que vem descaradamente gabar-se de ter feito aquilo… que tem obrigação de fazer. Gabar-se de ter aplicado o dinheiro do povo em benefício do povo… grande coisa…
Agora vejamos o que pretende o Governo Regional com este inocente folheto, criado, realizado e distribuído com o dinheiro do povo: Nada mais do que fazer uma descarada campanha eleitoral. Não esqueçamos que teremos este ano dois actos eleitorais: um para o parlamento Europeu e outro para a Assebleia Legislativa Regional, donde sairá o próximo governp. Portanto este investimento num folheto luxuoso de auto promoção e narcisismo descarado, e repito, com o nosso dinheirinho, justifica-se. É dinheiro que não sai dos cofres do PS para fazer campanha.
Na minha deslocação a Ponta Delgada para exames médicos no Hospital do Divino Espírito Santo encontrei em cima do balcão de atendimento geral, á entrada, uns folhetos descorados, com grafismo, apesar de tudo bom e com duas fotos absolutamente irreconhecíveis. O texto está bom e o tema é o amor e o sexo descubra as diferenças. O texto está bem feito e é um manifesto ao sexo com amor, ao amor que é afecto, amizade e também paixão. Foi uma agradável surpresa pelo texto, mas uma tristeza pela má qualidade do papel e da impressão. Nda apelativo este folheto…é de olhar e passar adiante, não levar para casa. A edição é da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais, de Novembro de 2003. Um folheto sem graça, no seu aspecto. Este, eu não o recebi na minha caixa do correio, não foi distribuído por toda a população como o tema mereceria… Com estes dois folhetos, um onde o Governo Regional se gaba dos serviços feitos na área da Educação, e outro em que “pretende” educar , o nosso Governo mostra a face, diz que a fachada é mais importante do que o conteúdo, que mais vale parecer do que ser. O folheto sobre o sexo deveria ter um aspecto apelativo e ser profusamente distribuído nas nossas escolas a partir do 5º ano de escolaridade, lido e comentado nas aulas com a orientação dos professores.
Este folheto é o espelho da casualidade do ensino da educação sexual nas nossas escolas, da falta de cuidadoe empenho num assunto tão importante. Mas será este tema para outra crónica. E aqui fica como dois folhetos saídos praticamente das mesmas mãos e com os mesmos destinatários são feitos de forma diferente consoante o objectivo seja informar/formar ou fazer propaganda do que se tem obrigação de fazer com fins eleitoralistas.
Santa Maria , 22 de Março de 2004
Ana Loura

15 de março de 2004

Crónica Nº 3 Atentados em Espanha

Bom dia!
É Impossível não falar dos últimos acontecimentos em Espanha, ficar indiferente a tamanha violência que atingiu pessoas vulgares como qualquer um de nós e como os nossos filhos É impossível não ficarmos chocados com as imagens de tão grande violência transmitidas pelas televisões, o desespero estampado nos rostos, a dor...
Tudo indica que o sangrento atentado tenha como causa a posição tomada pelo Senhor Aznar e o seu governo, de apoio evidente e declarado à incursão e guerra movida pelo Senhor Bush ao Iraque em nome de uma democracia que só o Presidente dos Estados Unidos, os Primeiro ministros da Grã Bretanha, Espanha e o nosso próprio Primeiro Ministro reconhecem como tal. Estranha democracia essa que os faz invadir e matar à procura de armas que não existem…
Se os terroristas da Al Kaeda fizeram este atentado em consequência da cimeira das Lajes, ponhamos as nossas barbas de molho…seremos também alvo da ira dos terroristas. Essa é uma triste e inquietante certeza. Falta saber a hora e o local. Pena que seja o povo inocente a sofrer consequências das atitudes de subserviência do nosso Primeiro-ministro às políticas dos seus aliados.
O Governo Espanhol quis convencer o Povo de que o atentado era da autoria da ETA, servia-lhe como uma luva, nas vésperas das eleições atribuir o atentado à esquerda radical. Mas o tiro saiu-lhe pela culatra: a ETA, que sempre assumiu e reivindicou a autoria dos seus atentados, rejeitou este logo na primeira hora. O povo espanhol manifestou-se contra o atentado e exigiu que, de imediato, fossem encontrados os culpados. Estando fora de hipótese a ETA, logo as hipóteses recaíram sobre os extremistas islâmicos e a relação directa do atentado com a cimeira das Lajes.
Assim sendo, os espanhóis foram expressivos na forma como votaram nas eleições Gerais de ontem tendo baixado significativamente as abstenções e dado a victória ao Partido Socialista Operário Espanhol e à verdadeira democracia. À democracia da liberdade de expressão, da alternância democrática que penaliza quem engana e se serve do povo em vez de o servir.
Que estes acontecimentos nos sirvam de exemplo, que não seja preciso esperarmos por um atentado no Euro 2004 ou no Rock in Rio para penalizarmos, ainda que tardiamente, a meu ver, o nosso governo pela atitude que tomou, contra as opiniões da generalidade do povo, em relação ao envolvimento de Portugal na loucura hegemónica do Governo dos Estados Unidos.
Em relação às vítimas espanholas do horrendo atentado só resta dizer: Paz às suas almas, que o Senhor os receba na Sua glória.
Santa Maria, 15 de Março de 2004
Ana Loura

7 de março de 2004

A minha segunda crónica- Dia Internacional da Mulher

Crónica Nº 2


8 de Março de 1908. Centenas de trabalhadoras da fábrica têxtil Cotton em Nova York, em greve pela redução do horário de trabalho para as 10 horas diárias e descanso semanal ao Domingo fecham-se dentro da fábrica que com elas lá dentro começa a arder. Não ficou provado que o incêndio tenha sido de origem criminosa, mas consta que teve mão do patrão.
A ideia de instituir um dia internacional da Mulher é anterior e este acontecimento. A luta das mulheres por condições dignas de trabalho, salários idênticos aos seus companheiros operários é anterior a esta data e prolonga-se aos dias de hoje (em 1857 as operárias de Nova York protestaram e exigiram a redução das jornadas de trabalho, oficinas claras e salários iguais aos alfaiates) Muitas lutas foram travadas por heróicas mulheres pelo simples direito ao voto, pelo acesso ao ensino, participando em greves, manifestações violentamente reprimidas, onde muitas vezes foram espancadas e presas. Estas lutas aconteceram na América e em toda a Europa. As mulheres Russas manifestaram-se em 1917 em apoio à Revolução russa, pela paz, pelo pão e pela terra. Desde 1922 que o Dia Internacional da Mulher é celebrado no dia 08 de Março.
A luta pelos direitos das mulheres não se esgotou. Em muitas parte do mundo, às mulheres continuam a ser negados os mais elementares direitos. No nosso País continuamos a não ter completa igualdade de direitos e oportunidades. A redução efectiva do horário de trabalho para as 40 horas semanais; a diminuição da idade da reforma para os 62 anos; o respeito pela função social da maternidade-paternidade que impeça a descriminação da mulher trabalhadora; a generalização do planeamento familiar gratuito; a educação sexual e adopção de medidas legislativas que ponham fim ao flagelo do aborto clandestino são metas na luta das mulheres portuguesas.
Essas lutas das mulheres fazem parte integrante da luta de todos, e claro, dos homens pais, irmãos, companheiros.
Só juntos, solidários e participantes, de mãos dadas e olhando no mesmo sentido o homem e a mulher poderão alterar os destinos e tornarem o mundo melhor.
eu não sou de ninguém...”
Eu não sou de ninguém!... Quem me quiser
Há-de ser luz do sol em tardes quentes;
Nos olhos de água clara há-de trazer
As fúlgidas pupilas dos videntes!
Há-de ser seiva no botão repleto,
Voz no murmúrio do pequeno insecto,
Vento que enfuna as velas sobre os mastros!...
Há-de ser Outro e Outro num momento!
Força viva, brutal, em movimento,
Astro arrastando catadupas de astros...
Florbela Espanca (1894-1930)
Santa Maria, 07 de Março de 2004
Ana Loura

1 de março de 2004

A minha primeira cronica

Bom dia.
Quando o Ricardo me telefonou a convidar para fazer parte de um grupo de pessoas que realizariam, cada um no seu dia, uma crónica aos microfones do Asas a primeira ideia que me veio à cabeça foi simpaticamente recusar o ainda mais simpático convite. Onde arranjaria eu tema para apresentar semanalmente sem me repetir e sem repetir os temas das crónicas dos meus colegas? Que interesse teria para os ouvintes do Asas a minha opinião sobre o que quer que seja? Onde arranjaria eu tempo para me dedicar a tão espinhosa tarefa?
Bom, pelos vistos aceitei e cá estou para tentar dizer alguma coisa minimamente interessante. Pouco tempo depois de ter chegado a Santa Maria alguém me contou uma estória que nunca mais esqueci: Aquando da passagem das instalações do Aeroporto de Santa Maria das mãos dos Americanos para as mãos dos Portugueses e foram construídas as estradas do aeroporto foi tanto o dinheiro gasto, que Salazar, que como sabemos nunca viajou para parte nenhuma, dizia que gostaria de conhecer a ilha onde as estradas eram pavimentadas a ouro, tais foram as quantias de dinheiro gasto na construção.
Na altura em que me contaram isto as estradas do Aeroporto ainda estavam transitáveis e em muito bom estado. O mesmo não se pode dizer neste momento em que poucos são os metros onde não se corra o risco de dar cabo das molas dos carros pagos com o nosso dinheiro. A ANA limita-se a colocar uma placa no início de cada troço com a indicação de estrada em mau estado e sacode assim a água do capote…transita quem quer…Esquece é que para chegar à casa de cada um não há estradas alternativas sem buracos. Sabemos que a ANA sa não tem vocação para administrar e manter esse tipo de infra estruturas, que os seus serviços que as mantinham, as Oficinas Gerais, há muito que ficaram vazias de pessoal, fala-se tanto na escassez de postos de trabalho em Santa Maria e uma estrutura que empregava e formou os mestres que todos ainda recordamos como profissionais excelentes, lentamente com a aposentação desses mestres fechou para obras definitivamente ao dispensar, há pouco tempo, o serviço de alguns dos seus funcionários.
Se a própria ANA SA reconhece que não tem essa vocação, se a própria Assembleia Legislativa Regional recomenda que essas infra estruturas passem para a responsabilidade da Câmara, porquê isso ainda não aconteceu? Claro que a Câmara não quer receber ruínas, mas enquanto esperamos que a transferência de bens se efective após a reparação mínima das estradas lá andamos nós a fazer gincana a fugir da cova mais funda e a tropeçarmos noutra e arruinarmos os nossos carros. Infelizmente a questão do mau estado das estradas não se limita ao perímetro do aeroporto, estradas há no resto da ilha cuja construção é recente e que já apresentam sinais visíveis de degradação.
Algumas perguntas me vêm à cabeça: Porquê? Quais as causas dessa degradação? Má construção? Não houve fiscalização da obra? Será que as viaturas ligadas à construção civil não circulam com peso para além do permitido pela tipo de estradas que temos e que portanto estas suportam? Quem fiscaliza? Qual a entidade com o dever de fiscalizar a tonelagem que circula nas nossas estradas? A PSP? Tem meios para o fazer? Claro que os empreiteiros querem rentabilizar recursos, mesmo que isso signifique arruinar as nossas estradas feitas com o dinheiro de todos nós, pois quanto mais encherem a caixa dos camiões menos viagens fazem e mais poupam. Isso com o sacrifício dos bens comuns.
Nota de rodapé:
O Navio porta contentores Vitorino Nemésio fez, ontem, a sua última escala em Santa Maria. Foi vendido. Não passa de um navio, mas que durante muitos anos, com a sua tripulação serviu os marienses no abastecimento de bens à ilha. Bom, acho que por hoje chega de cronicar. Deixei algumas questões, que penso, serão preocupações de todos nós… Aqui fica um abraço de uma cagarra importada. Importada porque vim de fora e importada, também, porque me importo, me preocupo com os problemas desta ilha que também é minha,
Abraços marienses
Ana Loura Santa Maria,
01 de Março de 2004