22 de setembro de 2005

Eu tenho um sonho!

Eu tenho um sonho!

“Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença - nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados iguais.
Eu tenho um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos desdentes dos donos de escravos poderão se sentar juntos à mesa da fraternidade.Eu tenho um sonho que um dia, até mesmo o estado de Mississipi, um estado que transpira com o calor da injustiça, que transpira com o calor de opressão, será transformado num um oásis de liberdade e justiça.
Eu tenho um sonho que minhas quatro crianças vão um dia viver numa nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu carácter. Eu tenho um sonho hoje!
Eu tenho um sonho que um dia, no Alabama, com seus racistas malignos, com seu governador que tem os lábios gotejando palavras de intervenção e negação; nesse justo dia no Alabama meninos negros e meninas negras poderão unir as mãos com meninos brancos e meninas brancas como irmãs e irmãos. Eu tenho um sonho hoje!
Eu tenho um sonho que um dia todo vale será exaltado, e todas as colinas e montanhas serão aplanadas, os lugares ásperos serão aplainados e os lugares tortuosos serão endireitados e a glória do Senhor será revelada e toda a carne estará junta.”
(Martin Luther King)

Eu também sonho! Sonho com esta fraternidade com que Martin Luther King sonhou e por causa do qual foi assassinado. Se lermos com atenção este excerto do discurso, e nem é precisa muita, veremos que ele está recheado ou, melhor, é a citação quase à letra de passagens da Bíblia: o Leão e o cordeiro comerão juntos.

Sempre me tocou e fundo a figura extraordinária deste Pastor que deu a vida pelo ideal da igualdade e da paz num país de maioria branca maioritariamente racista. Chorei quando Luther King foi assassinado, chorei quando Jonh Kenedy também o foi. Nessa altura a informação que tínhamos era da grande figura de democrata que a “democracia” ocidental queria impor desse governante americano. E chorei, como chorei, quando faleceu um dos maiores Papas do Sec. XX o bondoso, o, de facto, Santo João XXIII.

Mas voltando ao Mississipi, eu tenho um sonho de muitos anos que se desfez, ou quase. O de ir a Nova Orleans, o de ver passar e depois integrar-me num funeral. Os funerais lá eram, serão de novo, espero, cortejos de dor, mas uma dor com esperança, em que a música que adoro, os Blues, carpe a partida do ente querido mas é transbordante da Esperança do encontro nos átrios da casa de Deus Pai onde todos seremos iguais e felizes.

Eu tenho um sonho! E este sonho irá concretizar-se porque tenho Esperança.

Tomo a liberdade de vos ler excertos da crónica de Daniel de Sá editada pela revista Diário Insular este fim-de-semana:

“Deus não se passeou sobre as águas de Nova Orleães contemplando a sua vingança. Só uma mente pérfida ou mal formada é capaz de imaginar que o fez. Se para crentes há possibilidade de perdão quando se fala da lei de Deus, a Natureza não perdoa nunca. No entento não foram os “pretos” que a habitavam que construiram Nova Orleães abaixo do nível do lago Pontchartrain, do Mississipi e do próprio oceano. Foi a drenagem dos pântanos à volta, decidida por especialistas não adivinhos ou pelo menos pouco previdentes, que fez baixar o solo até o transformar em armadilha mortal."
(...)

E conclui Daniel de Sá:
"É lamentável que haja quem tenha visto na agonia de Nova Orleães apenas um motivo para declarar, no orgulho inútil da pequenez mental, que a América tem pés de barro e lama. Mas conforme o “Eclesiastes” os pensamentos provam o homem e as palavras revelam o seu coração. Ou, como António Gedeão, as lágrimas daquelas gentes são feitas de água e sal como as nossas.
Deus decerto não castigou a cidade. E se alguma coisa tiver a ver com aquilo, talvez seja para permitir que os risos e os Blues voltem depressa às ruas de Louis Armestrong.”

Abraços marienses
Santa Maria, 19 de Setembro de 2005

Ana Loura

21 de setembro de 2005

Eu também canto...e bem alto


La solitude ça n'existe pas
Paroles: Pierre Delanoë. Musique: Gilbert Bécaud

La solitude ça n'existe pas
La solitude ça n'existe pas
La solitude ça n'existe pas
La solitude ça n'existe pas

Chez moi il n'y a plus que moi
Et pourtant ça ne me fait pas peur
La radio, la télé sont là
Pour me donner le temps et l'heure
J'ai ma chaise au Café du Nord
J'ai mes compagnons de flipper
Et quand il fait trop froid dehors
Je vais chez les petites sœurs des cœurs


La solitude ça n'existe pas
La solitude ça n'existe pas


Peut-être encore pour quelques loups
Quelques malheureux sangliersQuelques baladins, quelques fous
Quelques poètes démodés
Il y a toujours quelqu'un pour quelqu'un
Il y a toujours une société
Non, ce n'est pas fait pour les chiens
Le Club Méditerranée

La solitude ça n'existe pas
La solitude ça n'existe pas
Tu te trompes, petite fille
Si tu me crois désespéré
Ma nature a horreur du vide
L'univers t'a remplacée
Si je veux, je peux m'en aller
A Hawaii, à Woodstock ou ailleurs
Et y retrouver des milliers
Qui chantent pour avoir moins peur

La solitude ça n'existe pas
La solitude ça n'existe pas
La solitude ça n'existe pas
La solitude ça n'existe pas

A solidão não existe(tradução livre)

Na minha casa existo apenas eu
No entanto isso não me faz medo
A rádio e a televisão estão aqui
Para me darem o tempo e as horas
Tenho a minha cadeira no Café du Nord
Tenho os meus parceiros de flipper
E quando faz demasiado frio lá fora
Vou às irmazinhas dos corações

A solidão...

Talvez ainda para alguns lobos
Alguns infelizes javalis
Alguns baladeiros, alguns loucos
Alguns poetas fora de moda
Exista alguém para alguém
Exista sempre uma sociedade
Não, não foi criado para os cães
O Club Mediterranee

A solidão...
Enganas-te, menina
Se me imaginas desesperado
A minha natureza tem horror ao vazio
O universo substituiu-te
Se eu quiser posso ir-me embora
Para o Hawai, para Woodstock ou outro lado
E lá encontrarei milhares
Que cantam para terem menos mêdo

A solidão...

Os meus três filhos estão fora de casa, fora da ilha para estudarem...

Eu, também, por vezes canto...e bem alto...

10 de setembro de 2005

"O rio da minha aldeia"

















O Rio da minha aldeia

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia

E para onde ele vai
donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.




Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos



Pois o Ave é que é o rio da minha aldeia, Azurara

Até há quase 25 anos, tanto tempo, o Ave fez quase diariamente parte da minha existência.
Da casa onde nasci o Ave entra-nos janelas adentro com as traineiras descendo madrugada em direcção à foz e voltando mais tarde adornando de peixe fresco.

Penso que terei aprendido a nadar entre o mar e o rio. Nos fins de tarde quando o meu pai regressada va Fábrica de Mindelo (encerrada há muitos anos "para balanço" e este tema dará "panos para mangas"), vinha na sua Zundapp e mais tarde no seu NSU e nós já estávamos equipados à maneira e ala para a junqueira ou para o sopé do Monte de Sant'Ana devidamente acompanhados pelo Leão e era tudo para a água, uma festa. Tivemos um barquito a remos que estava fundeado lá e era ver o Júlio e o Alexandre a lançarem-se em altos mergulhos. Eu sempre fui medrosa e nunca me aventurei nesses voos.

Comemos muito peixe que o meu Velho pescou nas águas, então límpidas, do Ave. Aos Sábados ele saia cedinho com a cana e o cesto da pesca a tiracolo e o Leão colado às suas pernas. Dizia o meu Pai "há quem tenha um cão de caça, eu tenho um cão de pesca”. Muito peixe comemos... Ele chegava com o cesto cheiinho de Robalinhos, Tainhas e Pintas que nós amanhávamos no tanque que havia no coberto. Era um fartote de peixe fresco


Hoje o rio da minha aldeia está morto, as águas putrefactas, fétidas. Ainda há quem lá pesque, mas não creio que esse peixe lá pescado faça a felicidade de qualquer família. A ganância, a fúria do lucro, o desrespeito pelas gerações vindouras matou o rio da minha aldeia.