26 de abril de 2004

Crónica Nº 9 Dia da Liberdade, 30 anos

Hoje é quinta-feira, a minha primeira aula é oficinas de serralharia, ando a fazer uma régua na forja, a aprender a fazer esquadrias. São 07:15 da manhã, estou a tomar duche e o telefone toca...que chatice quem tem a lata de telefonar a uma hora destas... O resto das pessoas da casa dorme. Salto da banheira a resmungar, enrolo-me no lençol de banho e corro a atender a porcaria do telefone. Digo baixinho tou? Respondem Ana é a Isabel, olha o Humberto recebeu um telefonema do jornal a dizer que há uma revolução. Achas que há aulas? Respondo Revolução? Vamos ver se há aulas. Obrigada beijinho até daqui a pouco. Vou ao quarto e chamo Guida! Guida! Ela acorda a custo e pergunta o que é que queres? A Isabel telefonou a dizer que está a haver uma revolução e a Guida responde ensonada Foi hoje. Acabo de me preparar e vou para o instituto, corre à boca pequena que o Mestre é colaborador da PIDE, o ambiente é de expectativa, nós ainda vestimos as nossas batas, o homem anda de um lado para o outro cabisbaixo...é-nos dito, passados uns minutos, que não há aulas que os alunos devem ir para casa. Eu, a Isabel, a Irene e mais um colega cujo nome não recordo, decidimos ir para a baixa a pé, mas como a baixa fica longe pedimos boleia...

Começaram assim dias de euforia em que íamos a casa tomar duche, engolir qualquer coisa dormir o mínimo possível e voltávamos para a rua para darmos vivas aos militares e vivermos cada intenso minuto. O primeiro Primeiro de Maio foi a apoteose desta festa que nos irmanou nas ruas da cidade do Porto como nas ruas de todo o País. Era a festa, Festa da Liberdade.

Liberdade. Mas que vem a ser essa coisa de Liberdade. Mas liberdade de e para quê? Mas tu não eras livre? Qual a diferença entre o antes e o agora? Como diz a canção "Liberdade de mudar e decidir" No dia vinte e cinco de Abril de 1974 os Capitães que fizeram a Revolução, depositaram nas mãos do povo português a liberdade de mudar e decidir sobre o seu próprio destino.

Diz uma amiga minha que "uma das grandes e maravilhosas diferenças nesta revolução foi que talvez pela primeira vez na História os militares que a fizeram não quiseram o poder que haviam conquistado!!"

Antes? Antes era assim: Para entrares para um emprego ligado ao Estado tu tinhas de assinar uma declaração em que não estavas envolvido em qualquer actividade contra o Estado, eras obrigado a votar e a votar na única lista que concorria às eleições, a lista da situação, do governo e poder únicos, não podias exprimir qualquer opinião que fosse diferente às linha de pensamento e política desse governo "eleito" através dessas eleições de lista única e voto obrigatório. Quem pensava diferente ou se sujeitava a ser preso ou se exilava num país estrangeiro. As prisões estavam cheias de opositores ao antigo regime. Lá se torturava se matava em nome de uma paz podre do "orgulhosamente sós"e de um regime totalitário e ilegítimo que isolou completamente Portugal do resto do mundo e votou o Povo à miséria económica e cultural. "Eles" prenderam e mataram pessoas que pensavam diferente deles mas não mataram as suas ideias que clandestinamente passaram de boca em boca, "porque há sempre uma candeia dentro da própria desgraça. Há sempre alguém que semeia canções no vento que passa", e o pensamento, o desejo de liberdade foi um rastilho, foi uma canção cantada baixinho que os militares de Abril cantaram e empunharam em nosso nome e com o nosso apoio.

Deixo-vos dois poemas que distam trinta anos um do outro

De José Carlos Ary dos Santos excerto de:
As Portas que Abril abriu

«Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.
(...)
Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado
pelas ideias nazis
pelo dinheiro estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado
que até hoje já se diz
que nos tempo do passado
se chamava esse país
Portugal suicidado.
(...)
Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.
Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.
(...)
Foi esta força viril
de antes de quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril
fez Portugal renascer.
E em Lisboa capital
dos novos mestres de Aviz
o povo de Portugal
deu o poder a quem quis.»

De Manuel Alegre
Abril com "R"

Este poema carece de uma pequena explicação. O Governo da República fez colocar, nos últimos dias, uns cartazes em diversos locais onde se afirma que Abril é Evolução. Cá para muitos de nós eles esqueceram de escrever o r e castraram a palavra Revolução

Trinta anos depois querem tirar o r
se puderem vai a cedilha e o til
trinta anos depois alguém que berre
r de revolução r de Abril

r até de porra r vezes dois
r de renascer trinta anos depois

Trinta anos depois ainda nos resta
da liberdade o l mas qualquer dia
democracia fica sem o d.
Alguém que faça um f para a festa
alguém que venha perguntar porquê
e traga um grande p de poesia.

Trinta anos depois a vida é tua
agarra as letras todas e com elas
escreve a palavra amor (onde somos sempre dois)
escreve a palavra amor em cada rua
e então verás de novo as caravelas
a passar por aqui: trinta anos depois.»

Viva o 25 de Abril, Viva a Liberdade!

Ana Loura
Vila do Porto, 26 de Abril de 2004

19 de abril de 2004

Crónica nº 8 Manifestamente actual

Crónica Nº 8
Pois é...andei a tentar organizar a minha papelada...detesto ter que fazer esta tarefa sempre inadiável e infindável, pois acabo por não deitar nada no lixo e o tempo corre, comigo a reler papeis velhos e a relembrar coisas que se passaram e nas quais já não pensava "há séculos".
Um desses papéis foi o manifesto Eleitoral da CDU para as eleições para a Assembleia Legislativa Regional de há 8 anos.
Dizia a introdução que os objectivos da candidatura eram: Aumentar a expressão eleitoral da CDU de modo
a: -Impedir a formação de uma maioria;
-Impedir a bipolarização;
-Ser uma voz activa sem estar comprometida quer com o poder regional quer com o poder nacional;
- Manter o diálogo com os deputados da CDU na Assembleia da República...e aqui relembrávamos o papel fundamental da CDU, primeira força política a apresentar um documento sobre a importância da permanência do NAV II em Santa Maria, facto que muita gente propositadamente e em favor próprio ou da força política a que está ligado e desvirtuando a verdade, esquece ou distorce.
Passávamos, depois, a enumerar aquilo que pensávamos serem os problemas que existiam em Santa Maria e que pensávamos serem urgente resolver e aí pasmemos...o manifesto parece ter sido escrito hoje...exceptuando no que se refere a algumas estradas que já foram reparadas, à questão da distribuição da água à lavoura que estará parcialmente resolvido, embora à custa da provável diminuição do caudal do abastecimento às populações pois em vez de se ter aberto furo próprio se vai utilizar os furos existentes...Enfim, opções que o futuro se encarregará se julgar...De resto passados que são oito anos da data em que escrevemos o manifesto continuam por solucionar ou concretizar a rede de abate e frio que consideramos fundamental para a economia da ilha pois deixaria de haver necessidade da exportação do gado vivo com os consequentes transtornos que acarretam (rezes que morrem no navio, perda de peso que tem que ser compensada no destino com recurso a rações, desvirtuando a qualidade da carne açoriana impedindo a atribuição do famoso selo de garantia)
Preconizávamos o apoio à diversidade na agricultura (e há 3 anos falamos no apoio à criação de produções agrícolas alternativas).
Nas pescas atribuição do rendimento mínimo garantido à pesca artesanal devido ao seu carácter sazonal, a reparação de portos e portinhos.
Chamamos a atenção para o recurso sistemático das entidades públicas ao trabalho precário (a recibo verde e a termo certo) aos concursos que são preenchidos não se sabe muito bem como...
Outra das questões focadas era relativamente ao Turismo e ao preço das tarifas aéreas que deveriam, quanto a nós, diminuir. Infelizmente continua a não ser fácil de eleger os Açores e muito menos Santa Maria como destinos turísticos. As passagens continuam demasiado caras. Pelo preço de uma vinda aos Açores de uma semana vai-se quinze dias a Londres ou a outra cidade Europeia ou quinze dias às Canárias.
A questão da saúde, pasme-se, piorou no que se refere aos médicos de Família a base de qualquer centro de saúde. Continuamos sem técnico de fisioterapia, sem hemodiálise, sem um centro de apoio, em S Miguel, para as parturientes e seus acompanhantes deslocados.
Relativamente ao ensino já algumas coisas melhoraram embora nem tanto como nos queres fazer crer. As tão fotografadas obras na escola Secundária não impedem que os nossos filhos quando têm que se deslocar entre pavilhões em dias de chuva fiquem molhados...A qualidade do ensino melhorou, mas ainda há muitas carências e muitas férias prolongadas por atestados.
Os jovens da ilha não têm, todos, as mesmas oportunidades culturais embora os Postos de informação Juvenil tenham vindo abrir janelas culturais.
Enfim, passados que são 8 anos, tanta coisa por resolver, tanta promessa que foi feita e não foi cumprida. Tanta coisa que os governos saídos das duas eleições não fizeram apesar de durante a campanha terem prometido e afirmarem serem prioritárias.
Os motivos que nos fizeram candidatar nessa altura são os mesmos que nos farão candidatar agora.
Mais uma vez colocaremos à consideração dos marienses as propostas que julgamos representarem as melhores para o futuro da ilha. Desejamos contribuir para que não se passem mais oito anos sobre estas questões que enumerámos e outras, sem que elas sejam resolvidas. Queiram os marienses confiar no nosso trabalho.
Que daqui a oito anos ao remexer os meu papeis e ao encontrar o manifesto deste ano sorria satisfeita ao constactar que, finalmente, a maioria dos problemas existentes na ilha foram ou estão a ser resolvidos para uma melhor qualidade de vida e progresso que Santa Maria tem direito dentro do quadro regional, nacional e europeu.
Santa Maria, 19 de Abril de 2004
Ana Loura

12 de abril de 2004

Crónica Nº7- Abriu a época da caça...ao voto

Crónica Nº 7
Abriu a época de caça...ao voto!!
Nem é preciso abrir muito os olhos para vermos a publicidade enganosa que os grandes partidos nos metem descaradamente pelos olhos dentro.
Enganosa porque nos querem convencer que fizeram o que tinham obrigação de fazer unicamente porque são bonzinhos e não porque tinham obrigação de o fazer. Em S Miguel eles degladiam-se através dos gigantescos "outdors" como se quem gritar mais alto é quem tem razão. O PSD diz que nunca se viveu tão mal nos Açores, que há desemprego...o PS diz que nunca se viveu melhor, que isto é um mar de rosas...
Vive-se melhor nos Açores! Não podemos, em abono da verdade, dizer o contrário. Mas poderia ser diferente? Poderíamos ter ficado como há dez ou quinze anos atrás? O progresso era inevitável e obrigatório. Agora, a questão fundamental é saber se o progresso chegou a todos os Açores da mesma forma e com a mesma intensidade, se o progresso e a justiça social chegaram a todos ao Açorianos. A resposta a estas questões é um não, um não tão grande como o sorriso com que o Governo e o partido que o apoia, o PS, nos querem convencer que o progresso nos Açores é obra da boa vontade deles e não uma obrigação inerente ao facto de se terem candidatado e terem sido eleitos. Os Açores não estão desenvolvidos de uma forma harmónica. O desenvolvimento é feito nas ilhas ditas maiores, onde se podem colher dividendos políticos, onde os lobbies são mais fortes. E aqui a política do PS é idêntica ao que foi a política do PSD quando nos governou.
Todos os dias os meus olhos esbarram num cartaz enorme estrategicamente plantado na Avenida de Santa Maria. Aí se diz, num grafismo apelativo, que o número de médicos aumentou nos Açores. Acredito ser verdade. Falta dizer em que ilhas. Certamente em Santa Maria não será. Aqui está um dos exemplos mais flagrantes da tal publicidade enganosa: não se dizendo mentiras não se diz a verdade.
No nosso Centro de Saúde já estiveram colocados, no tempo da política dos Médicos à Periferia quatro clínicos gerais. Neste momento temos dois efectivos e uma médica deslocada. Ora uma questão de imediato me surge: se esta médica não faz falta ao hospital que a cede sem prejuízo do serviço que presta, senão não a cederia, faz falta ao nosso Centro de Saúde e pode estar cá, porque não é transferida definitivamente para cá??? O que impede que isto aconteça??? Que interesses estão por trás disto?
Mas a questão fundamental é saber porque não há, de facto, mais médicos em Santa Maria; saber porque, por exemplo, deixaram o Dr Borges ser transferido sem ser, previamente, substituído; saber porque não concorrem médicos para Santa Maria.
A resposta é que a política dos médicos à periferia acabou e, claro, não há médicos que queiram vir para a periferia ganharem o mesmo que nos grandes centros sem o conforto de vida destes. Falta os tão falados incentivos económicos para facilitar a vinda e fixação de novos médicos. Uma coisa eu não entendo: se há dinheiro para pagar horas extraordinárias aos médicos existentes, como não há dinheiro para os incentivos?
A quem serve esta política? Certamente não é ao doente, ao Povo que paga os seus impostos e passa horas à espera de ser atendido na urgência (há dias passei na urgência do nosso Centro de Saúde e estava lá uma senhora desde as nove horas da manhã com um menino de uns 6 anos à espera de se atendido e já eram mais de três da tarde...) e a quem telefonam a dizer que a consulta não é hoje mas daqui a x dias porque o médico está indisposto. Os nossos médicos andam cansados por causa dos dias seguidos de serviço nas urgências e consultas e nós utentes descontentes com o serviço prestado apesar do grande esforço dos profissionais. Mais uma vez pergunto a quem serve esta situação, claro que não é ao doente...
Como diz o José Ricardo a saúde em Santa Maria está doente, muito doente. E só haverá cura para os seus males quando tivermos um governo que não faça obras de fachada, não inaugure com pompa e circunstância o que construiu com o nosso dinheiro, fazendo-nos crer que nos fez um grande favor.
Parece que com este tipo de publicidade eleitoral querem aplicar o ditado popular "com papas e bolos se enganam os tolos" mas o Povo não é tolo e sabe ver para além dos cartazes.
Boa semana
Ana Loura
Vila do Porto, 12 de Abril de 2004

5 de abril de 2004

Crónica Nº 6- "Quero ver Jesus"

Que me perdoe o meu querido Amigo Valente se "lhe roubo" a originalidade mas não resisto...
A nossa Ilha está a ser, lentamente, transformada numa ilha de aspecto tropical, andamos a querer fazer concorrência às Canárias e ao Havai: primeiro foram as palmeiras plantadas na Praia, depois na avenida e na "estrada do meio" junto à cooperativa de habitação, depois, ainda, frente à escola primária da Vila...e agora na estrada de baixo. Será que não haveria dentro da nossa variada flora tradicional arbusto ou árvore que nos alindasse as bermas e passeios sem descaracterizar a paisagem? Ou será que basta intercalar os novelões para termos a certeza de que estamos numa ilha açoriana?
"Quero Ver Jesus"
Realizou-se, ontem, no hangar do Aeroporto a Missa de Domingo de Ramos em que a Igreja Católica comemora o Dia Mundial da Juventude. O título da mensagem que o Santo Padre escreveu para este dia é "Quero ver Jesus".
Ver Jesus onde? Como? E será que O quero mesmo ver?
Ver Jesus no outro que sofre, no outro que precisa, e que está mesmo aqui ao lado, na minha rua, no meu bairro, na minha ilha. Mas geralmente nós só vemos os nossos problemas e valorizamo-los de tal forma que só eles existem, somos os mais infelizes, os mais carenciados e os outros não existem para além do horizonte do nosso umbigo e hipocritamente olhamos como quem não quer ver, sorrimos e passamos adiante. Lembra-me uma canção do meu tempo de juventude, dizia o cantor qualquer coisa como isto: ..."Você quando vê um mendigo cospe no chão mas se alguém o olha estende-lhe a mão, é um homem feliz. Feliz como os bois o são nos currais e são tão felizes os animais"...Somos felizes ignorando a miséria, a dor alheia. Ignorando, não, fazendo de conta que não a vemos.
Falou-se na Missa sobre este tema, os jovens e os restantes presentes aplaudiram estrondosamente, mas...será que o que ouvimos provocará uma mudança da nossa atitude? Será que as escamas que nos cegam caíram e reconheceremos no que precisa, nem que seja do nosso respeito, de uma palavra, do muito que resta da nossa fartura, para não falar do que nos faz falta, o rosto de Jesus? Ou será que continuaremos na nossa vidinha do costume e as palavras que ouvimos não passaram de palavras lançadas ao vento e que caíram em saco roto?
Visita secreta?? Esteve de visita a Santa Maria, neste último Fim de Semana, o Senhor Ministro dos Transportes. Discreto, sem comitiva, quase anónimo. Consta que veio inteirar-se, no local, da importância e funcionamento do Centro de Controlo Oceânico, vulgo NAVII. Esperemos bons frutos desta visita de trabalho.
Ana Loura
Santa Maria, 05 de Abril de 2004