27 de abril de 2006

Ideais, valores



Bom dia!

Li num pequeno boletim que a RDP, antena 2, editou a dar nota da sua programação para este mês de Abril, o seguinte:
Charlie Mingus- Um dos mais importantes músicos da história do Jazz, em particular na transição do Jazz clássico para o Jazz moderno.
Cidadão e artista, cívica e politicamente empenhado na luta do seu povo pelos direitos cívicos.

O ideal, o sonho, o empenhamento fazem os homens, que os têm, grandes!

Como diz António Gedeão, no poema “Pedra Filosofal”, o sonho comanda a vida. Sonhar, ter ideais, aspirações, objectivos que dão sentido, rumo à nossa vida, a norteiam, fazem-nos dar passos no sentido da realização dos nossos sonhos, do nosso ideal.

Há, actualmente, uma grave carência de referências, de exemplos, de pessoas que, pelo seu ideal de vida, coerência, nos fazem desejar seguir-lhes os passos. Os “heróis” de hoje são de ascensão e de queda meteóricas, são cometas que rasgam os céus do futebol, das passarelas, do cinema, da canção, do jet-set e se transformam num ápice em estrelas cadentes e são, muitas vezes, notadas pela negativa, pelas “figuras tristes” que fazem e não pela dádiva do seu tempo, das suas vidas em prol das causas nobres.

Dos que dão o seu tempo e, muitas vezes, toda a sua vida, não falam os noticiários, as revistas, nós. Falamos e falam do efémero, do superficial. Entronizamos a mediocridade! A sociedade actual está a tornar-se numa sociedade sem afectos, numa sociedade do morno, do nem carne nem peixe, da abstenção, do nem não nem sim, do NIM.

Actualmente as pessoas não se comprometem, não tomam partido. Dá muito trabalho ter ideais, tomar partido, ser coerente. Bom e fácil é esperar que haja alguém com mais sangue na guelra que nós e apesar de saber que a frontalidade e a coerência têm um preço alto, provoca, também, antipatias, prefere sair do amorfismo, da insípida mornaça do deixa andar e diz aquilo que, por vezes, até pensamos, mas não nos damos ao trabalho de dizer ou evitamos, até, dizer, não vá o diabo tecê-las e alguém levar a mal.

Nós, pais, encarregados de educação, catequistas, políticos, temos por obrigação transmitir valores aos nossos jovens e a forma mais fácil e eficaz de o fazermos é apresentando-lhes factos e os seus protagonistas.

Quando Luther King, no seu emblemático discurso disse “Eu tenho um sonho” poderia ter dito: eu tenho um ideal. Ter um ideal é ter uma aspiração, um desejo que norteia todos os nossos passos no sentido do objectivo da nossa vida. Só assim poderemos ser felizes.

Recordo uma excelente colecção de livros que há muitos anos ofereci aos meus filhos: “Contos de Valor”. Nela eram apresentadas as vidas de grandes mulheres e homens que, pelo seu exemplo de ideal marcaram a história da humanidade. Recordo os nomes de Marie Curie, Florence Nightingale e muitos outros. Acrescento Madre Teresa de Calcutá e Gandhi.

Somos responsáveis pela formação dos nossos jovens. Tenhamos coragem de não comprar revistas onde a mediocridade faz capa e justifica as letras gordas, tenhamos a coragem de desligar a televisão quando os desenhos animados são violentos, os heróis são racistas, exemplos de violência, de falta de solidariedade, são meninos mimados e birrentos, quando as séries são apologias do “estar” em vez do namorar, do sexo pelo sexo em vez da descoberta e respeito pelo outro.

Ajudemos os nossos jovens a ter ideais, a sonharem o sonho que, de facto, comanda a vida e que pula como bola colorida nas suas mãos, mas para isso temos, também, nós de sonhar, de ter ideais e vivermos para eles.

Abraços marienses
Azurara, 24 de Abril de 2006
Ana Loura

19 de abril de 2006

Ser Ilhéu



Bom dia!

Este fim-de-semana vi na RTP Açores dois programas que me prenderam a atenção, aliás um programa e um pouquinho de outro. Num, José Hermano Saraiva falava sobre o arquipélago, o seu achamento (palavra actual para descoberta) e sobre Gaspar Frutuoso e a sua obra “Saudades da Terra” enaltecendo as belezas da ilha, a afabilidade das suas gentes, concluindo que é estranho que os portugueses viagem para o estrangeiro à procura daquilo que podem encontrar cá. Presumo que José Hermano Saraiva viaja para os Açores com passagens pagas pela RTP e desconhece as tarifas praticadas pelas companhias aéreas que servem os Açores e tornam proibitivos os lampejos patrióticos de os portugueses privilegiarem o território açoriano com a sua visita.

No outro programa, da autoria e apresentado pelo poeta Vítor Rui Dores, do qual vi um pequeno excerto, falava-se do ser ilhéu e dizia-se em jeito de conclusão que não são ilhas só os pedaços de terra cercadas por mar, mas também cidades como Lisboa poderiam ser consideradas ilhas pois as pessoas vivem, muitas, isoladas do resto do mundo. Como tudo o que dizemos estas afirmações são sempre possíveis de serem rebatidas, mas não é isso que pretendo aqui fazer.

Mas o que ouvi teve o condão de me fazer pensar e meditar na condição de ilhéu.
Eu afirmo-me ilhoa. O ter vivido em Santa Maria 25 anos, e ter vivido a ilha com a intensidade com que a vivi, de alma e coração, imbuiu-me o ser, da condição e do sentimento ilhéu. E aqui volto ao poema de José Maria Lopes de Araújo onde diz:
Mar… Sempre mar…Caminho… Sempre caminho…Sempre em frente…Sempre em frente…Mas tenho que parar!...

Nós, aqui, vemos sempre o mar para além da ilha. O mar cerca-nos mas não nos limita. Que o digam os açorianos que colonizaram Santa Catarina, os que foram para a baliação para o norte da América, os que imigraram para os Estados Unidos e Canadá, os homens de letras da cultura e da ciência que dentro da ilha viveram para além dela.

E depois há o sentimento, este querer partir porque a ilha é pequena mas depois há um constante querer voltar. O cordão umbilical que nos liga à ilha nunca é cortado. Quando chega ao Pentecostes sonhamos com os Impérios, quando chega ao Verão com a água do mar quentinha, com a Maré, as Semanas dos baleeiros, do Mar. O cheiro a massa sovada acompanha-nos para onde quer que vamos, o Senhor Santo Cristo está em cima das nossas mesas de cabeceira, este azul do céu e estas nuvens, a lua que enfeita as nossas noites como em mais sítio nenhum.

Mas ser ilhéu, é também passar a vida nos aeroportos a esperar os filhos que vêm passar férias ou a despedirmo-nos deles de olhos húmidos sem nunca nos habituarmos a que eles partam. Acho que é este, por excelência, o sentimento ilhéu: o da partida e chegada. Estamos sempre, de alguma forma a partir ou a chegar, a ver partir e a ver chegar.

Abraços marienses

Santa Maria, 17 de Abril de 2006
Ana Loura

12 de abril de 2006

Vai fermosa e não segura

Foto da Praia Formosa (filhos do Tim dos Xutos) enquanto não "trato" as que deveria ilustrar a crónica
Bom dia!

Praia Formosa
Formosa, esta palavra leva-me sempre ao soneto de Camões: Descalça vai para a fonte
Lianor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.

Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamelote;

Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa e não segura.

Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.

Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura
.Vai fermosa e não segura.

Ando há dias com uma vontade enorme de voltar a falar da nossa praia mas, pensei com os meus botões: se disseres o que estás a pensar vão dizer que andas a perseguir alguém e vão olhar para ti de esguelha, mais uma vez, mas o que tem que ser tem muita força e depois de me virem dizer o que me disseram lá fui eu Domingo de tarde caminho da Paria abaixo para voltar a olhar o motivo do meu desgosto inicial e ver de perto o motivo da queixa que alguém indignado me fez e que também me indignou.

Vou levantar devagarinho a ponta do véu…Eu não sou muito de sair de casa, mas às vezes apetece ir por esses caminhos da ilha e olhar os verdes detrás dos Picos, o azul lindo do nosso mar. Há dias veio a Santa Maria um amigo meu recente que viveu em Santa Maria dos dois meses aos pouco mais de dois anos. Tinha uma imensa curiosidade em conhecer a ilha e lá me dispus eu, em detrimento do meu enorme desejo em participar na Procissão da Passos, a mostrar-lhe o que conheço da ilha. Íamos a começar a descer a Praia e chamo-lhe a atenção para a paisagem que iria aparecer-lhe diante dos olhos mesmo em frente ao Miradouro da Marcela…curva desfeita e os meus olhos batem, nem quis acreditar, numa enorme palmeira plantada à sovela num monte de terra rodeado de pedras quase ciclópicas… Não pode ser…Onde está a baía da Praia??? Andamos a limitar a altura dos prédios e plantam-nos um mamarracho daqueles assim de um dia para o outro num sítio daqueles? Ainda se a palmeira tivesse crescido ali e nós a tivéssemos visto a crescer se calhar não incomodava tanto, mas assim da noite para o dia…ideia peregrina essa…Mas está bem…deve de haver quem goste. Eu não…Era uma maravilha ir descendo aquele bocadinho de estrada e os olhos irem “descobrindo” a praia e depois estacionar o carro, sair e ver a baía completa.

Hoje na minha ida à praia, para além de ter ido reconfirmar que a tal palmeira não era pesadelo que eu tivesse sonhado uma destas noites, fui, também, reconfirmar o que alguém indignado me tinha contado: estão a desaterrar um terreno na Praia, junto ao hotel de apartamento dos Melos, e estão a lançar no mar a terra retirada. Ainda a procissão vai no adro, pois ainda há umas boas toneladas de terra a serem retirados, e a água da praia dos “Complexados” está barrenta. Segundo se diz, “alguém” terá autorizado semelhante atentado ao bem comum. Como pode alguém ou entidade ter autorizado que um particular construtor, para que uma obra fique mais barata ao poupar o preço do transporte do entulho para sítio conveniente (quantos quintais a precisarem de terra, quantas obras a precisarem de entulho) o lança, pura e simplesmente para a praia para que o mar o lave e leve. Sabemos que a “água lava tudo, menos a má-língua”, mas será que se pesou as consequenciais da decisão? A nossa Praia Formosa tem sido alvo de atentados ao longo dos anos, erros sobre erros e a culpa sempre tem morrido solteira e depois vem a pergunta porque não falaram? porque não apresentaram o problema? com ar inocente ou com a má fé de quem se demite das responsabilidades ou conscientemente favorece os amigos, familiares ou conhecidos, ou levianamente decidiu sem pensar. Tanta tonelada de terra não irá impedir a subida da areia para a praia? Ou por outro lado até vai favorecer e eu estou a falar sem saber? Também não me compete a mim saber pois não tenho acesso a técnicos entendidos dos gabinetes do Governo Regional nem do Laboratório de Engenharia Civil. Eu, só olho, vejo, penso e digo. Ouço o que me dizem e transmito-o…Ouvi indignação, estou indignada e digo-o

Fermosa, formosa significa coisa linda, delicada. Tenho uma vaguíssima ideia de como era a nossa Praia Formosa antes do “progresso” lhe ter tirado alguma da formosura que tinha e hoje começa a ser difícil de entender o porquê do nome.
Abraços marienses
Santa Maria, 10 de Abril de 2006
Ana Loura

4 de abril de 2006

Santa Maria


















Bom dia!

PRESÍDIO ILHÉU
Mar, sempre mar…
Céu, sempre céu…
O mesmo tom azul de nuvens manchadas,
No meu presídio ilhéu…
Mar, com a mesma cor cinza…
As mesmas garças…
A humidade salgada…
Um sabor de lágrima chorada,
A rolar, a rolar
Sobre o rosto,
De quem vive sonhando,
Para fugir, partir, emigrar!...

Mar… Sempre mar …
O mesmo horizonte, longínquo, distante…
Na minha ilha,
A mesma fonte rumorejante,
Escondida no vale,
Ou no socalco da montanha,
Gritante … Gritante …

Todos os dias rolando,
Com tudo no mesmo…
A mesma sombra passando,
A mesma jovem sonhando,
O ébrio cambaleando,
Lá vai tentando olvidar
Que vive – se é que vive –
No meio do mar … No meio do mar …

Mar… Sempre mar…
Torturante prisão,
A apertar, a cercar,
O meu louco desejo
De evasão!...

Para longe… Nem sei para onde…
Para qualquer parte,
Onde se esconde,
Dia a dia,
Na sombra da fantasia,
A minha fome de arte,
A minha sede de Poesia!...

Mar… Sempre mar…
Caminho… Sempre caminho…
Sempre em frente…Sempre em frente…
Mas tenho que parar!...

E parar,
Porque há mar, sempre mar…
É que, desde que nasci,
Anda-me ele a cercar
A suster o meu caminho!....

Mar…Sempre mar!....

ILHA DE SANTA MARIA

Quem pode partir, um dia,
Sem nunca mais te lembrar?!...
Ó minha Santa Maria,
Quem te pudesse abraçar!

Tenho saudades de ti,
Dos teus vales, dos teus montes …
Foi por ti que me perdi,
Ouvindo o canto das fontes……

E dos grilos, ao luar,
Nas noites quentes de estio,
Da brisa que vem do mar,
No Inverno, cinzento e frio.

Se, na tua soledade,
Te debruças sobre o mar,
Mais cresce em mim a saudade
De te ver e te abraçar ! …

Ó minha Santa Maria,
Ilha tão abandonada …
Rainha fizeram-te, um dia …
Hoje, escrava, não tens nada ! …

Onde estão as velas brancas
Dos teus moinhos de vento,
Que a brisa punha a girar,
Em constante movimento?

E o moleiro já cansado,
Subindo a colina, tinha
No velho rosto, enrugado,
Sulcos fundos de farinha! …

E na tarde, quando o sino
Dobrava, ao longe, Trindades,
Marcava no seu destino,
Um destino de saudades ! …

Tuas santas tradições,
Em Maio, mês de Maria,
No Terço e nas orações
Que, nas aldeias, de dia,

O povo ia rezando,
Mesmo ao sair das igrejas,
Para casa, caminhando …
Bendita, bendito sejas,

Santa Maria, ilha Santa …
Que tudo e tudo aceitas,
Mesmo de esperanças perdidas …
Mesmo de esperanças desfeitas! …

Ilha de Santa Maria!
Ó minha terra adoptiva!
Nunca mais te esquecerei,
Por muito e muito que viva.

Quem pode partir, um dia,
Sem nunca mais te lembrar ?
Ó minha Santa Maria,
Quem te pudesse abraçar !

São estes dois poemas de José Maria Lopes de Araújo, poeta Açoriano que viveu em Santa Maria, do seu livro Remos Partidos

Hoje para além destes dois poemas quero deixar-vos um texto que escrevi para ler no último Jantar Assembleia do Clube Lions de Vila do Porto num gesto de homenagem a esta organização de solidariedade tão importante.


















Saudação das bandeiras

Talvez que a evocação que eu vos começo a ler não seja aquela que me foi pedida pelos companheiros que me confiaram esta honrosa tarefa, mas em tempo de balanço de 25 anos de vida vivida em Santa Maria e em vésperas de partida de “metade de mim” é importante que eu diga que das reticências que o desconhecer do que de facto somos e me fez titubear na resposta que dei ao convite feito pelos meu Padrinhos para pertencer a este grupo de marienses depressa desapareceu e com ele a ideia que me fora transmitida por outros de que o Club Lions de Santa Maria é um grupo elitista e fechado.
Não, não somos nem uma coisa nem outra. Somos, outro sim, um grupo de pessoas que olha à volta e vê e vai ao pé daqueles que precisam e ajuda-os com aquilo que quem pode dá. Os Lions dão do seu tempo, do tempo das suas famílias, do seu esforço, do seu carinho, porque nós Lions servimos.
Quero deixar-vos com uma frase que encontrei num Mosteiro Franciscano: “O Pão que sobra da tua mesa pertence ao pobre”.
Nós Lions temos obrigação de sensibilizar aqueles a quem o Pão sobra para que o dêm àqueles a quem esse pão, por direito, pertence.
Metade de mim parte com a certeza de que aqui fica um grupo de gente com o coração grande, com o coração de verdadeiro Leão, Mas a outra metade, aquela que é e será sempre mariense fica. A todos os companheiros deixo o meu abraço fraterno e a minha confiança de que em Santa Maria há gente que serve.
Santa Maria, 31 de Março de 2006

Abraços marienses
Santa Maria, 3 de Abril de 2006
Ana Loura