14 de agosto de 2017

Onde?


Como está decrepita a minha porta
A caixa do correio apodreceu de não usada
O teu silêncio grita aos meus ouvidos
A tua sombra enche os meus espaços
Gélida
Gela-me
Tão distante de mim
E tão dentro de mim
Tão presente de ausente
Onde estás, tu, o meu eu?


13 de Agosto de 2011

...

Não passavas à minha janela
que não dissesses
Olá, Menina!
Um dia eu acordei
A minha janela tinha grades
que as tuas mão teceram
Mas o teu Olá, Menina ficou
por dentro das grades
e todos os dias o ouço
Ao acordar

Fechada

Fechada no granel
Chave despejada
Já inútil
Na Ribeira
Viras as costas
Afastas-te
Indiferente
Definho
Apodreço
Por detrás da porta
Fechada
Fechada

Na ribeira

Por detrás dos teus olhos

secaram as minhas lágrimas
nem o frio
nem o vento
as secarão mais
a água já não corre
na ribeira.

14/08/2011

30 de julho de 2017

Meias de Vidro

(Imagem tirada da Internet)
Estou no bunker e vou arranjando estratégias para, além das tarefas obrigatórias e alguma ocorrência inesperada, fazer com que o tempo passe sem que adormeça no meu posto.

Já há dias a lembrança das meias de vidro me veio trazer memórias que contadas a esta malta nova poderá parecer ficção. Esta sociedade do usa e deita fora, do efémero, da exploração dos recursos do planeta sem que pensemos de onde nos vêm as coisas que compramos , faz com que um par de meias calça (collants), umas meias até ao joelho ou mesmo uns soquetes de lycra ou mousse sejam usados uma ou duas vezes, e um simples fio puxado já justifique que os deitemos ao lixo sem pestanejar.
Sou do tempo em que a minha Mãe para comprar um par daquilo a que se chamava meias de vidro (de nylon muito fino) com costura na barriga da perna tinha que pensar duas vezes pois o orçamento familiar não dava para luxos. É verdade, um par de meias de vidro era um luxo. Um luxo caro. Eram calçadas com todos os cuidados e quando um cantinho de uma unha das mãos puxava um fio era caso para "choro e ranger de dentes" e às vezes, se o puxar do fio resultava num buraco caía o Carmo e a Trindade. Era um drama terrível. Se a toilete exigia um par de meias de vidro e não havia de reserva, quase nunca havia, era o cabo dos trabalhos. 
Ora como era imperioso a reutilização das abençoadas meias (reutilizar, ora pois), havia umas senhoras, normalmente telefonistas (antigamente havia telefonistas nas fábricas, nos hospitais, nas empresas que atendiam as chamadas que chegavam e as reencaminhavam para o destinatário num aparelho chamado PBX com muitos fios e chamadas cruzadas muitas das vezes), recepcionistas de dentistas, que com uma agulha do género das de croché muito fininhas e recorrendo a uma lâmpada dentro de um tubo de metal e a contra-luz iam "apanhando as malhas" e rematando com fio de nylon da cor mais parecida tiradas de meias que não tinhas conserto. Mal se notava esse trabalho de remendar as meias de vidro! Havia senhoras especialistas nessa arte que apanhavam as malhas com tal destreza e velocidade que eram um espanto. Assim ganhavam mais algum dinheiro que ia ajudar na economia doméstica ou se destinavam aos seus "alfinetes" (um franquinho de verniz, um batom, um perfume). Assisti algumas vezes a esse trabalho quando ia buscar as meias da nossa Mãe que, diga-se, era uma elegância e vestia como uma modelo das revistas Modas e Bordados.
Ah, muitas vezes vi a nossa Mãe a calçar luvas para calçar as meias de vidro evitando puxar fios e rompê-las.

Por curiosidade sabe de que é feito o nylon e quase todas as fibras sintéticas? Do PETRÓLEO. Um recurso caro e em vias de extinção.

23 de julho de 2017

Nem sempre somos o que queremos


Quando frequentei o Liceu Nacional da Póvoa de Varzim nos idos anos 60 do Século XX e chegou o momento de decidir o rumo dos meus estudos e consequentemente o meu futuro decidi pela alínea H que me daria acesso ao curso de Arquitectura pois a Arquitectura paisagista florescia. Era isso que eu queria para mim. Acontece que As belas Artes no Porto fechou as portas para reestruturação e obras no ano em que findei o meu sétimo ano e como a família não poderia suportar a minha ida para Coimbra foi preciso reequacionar o meu futuro. Confesso que nunca me tinha passado pela cabeça enveredar pelas electrotecnias, mas nesse tempo os jovens não ficavam em casa um ano à espera que faculdades reabrissem e havia que decidir rapidamente e assim foi A minha família decidiu que era uma solução eu entrar no ISEP em electrotecnia e assim foi. Nesse tempo os jovens acatavam as decisões dos pais. Era assim. Em Outubro de 1073 (sim em Outubro de Mil Novecentos e Setenta e três ainda decorria a Guerra Colonial) entrei para o Bacharelato em Electrotecnia e máquinas que com o 25 de Abril foi dividido e fiquei em Electrotecnia. Lá fiz o curso sem grande convicção. Não era de forma nenhuma uma opção mas um tem que ser, que remédio. Até hoje a minha vida fez-se à volta deste tem que ser. Tenho um emprego muito bem pago. Mas o meu coração sempre bateu mais forte quando vejo vidas como a de Gonçalo Ribeiro Teles. Como dirá o meu Pai: "haja saúde e coza o forno". 

5 de julho de 2017

Ítaca


ESTA NOITE SONHEI


Esta noite sonhei. Será que não sonho todas as noites? Apenas posso dizer que hoje a recordação de um sonho que tive esta noite está particularmente presente. Lembro-me dele como se o estivesse a sonhar, neste momento, acordada. Eu andava numa praia que tanto poderia ser a de Azurara como a Praia Formosa, um extenso areal, a maré baixa. Eu arrastava os pés na espuma das vagas que mansamente espraiavam. Braços caídos ao longo do corpo, olhos no chão, ou melhor, na areia molhada. As lágrimas quentes e salgadas desciam pelo meu rosto e algumas morriam nos cantos da minha boca entreaberta, outras caíam nos meus pés e juntavam-se à água do mar, ambas salgadas. Uma sombra cresce lentamente para mim. Levanto os olhos nublados e uma figura de homem, sem rosto definido mas que me parece o teu, momentos depois o do Padre Miguel Múrias, depois ainda o do Irmão Salvador, sorrindo. Ergue as mãos, afaga-me o rosto, enxuga-me as lágrimas, abraça-me. Conduz-me para a base da duna onde sempre ficou a barraca dos Padres, senta-me nos joelhos como se eu nunca tivesse crescido e conta-me a estória do rei que gostava de estórias que não terminavam, da princesa, do jovem lavrador, do formigueiro e do celeiro real: “e foi mais uma formiga e tirou um grão de trigo…e assim a princesa e o lavrador casaram e foram felizes para sempre”. Aquela voz dentro da minha cabeça, dentro do meu coração, a tua, a do padre Miguel…,a do Irmão Salvador eu já não recordo. E eu pequenina, indefesa, mas aconchegada naquele colo com a certeza de que nada poderia fazer-me chorar as lágrimas que eu já, afinal grande, choro. Onde estás tu? No presente? No passado? Quem és, afinal, tu? Onde estás? Existes? E aquela voz: a luz que precisas, as certezas que procuras só ele tas pode dar. Mas, onde estás? E de novo as lágrimas, sempre elas, e os olhos nublados e todos os rostos a parecerem o teu.

Na foto, à esquerda, pode ver-se parte da praia de Azurara para onde ia todos os dias nos meses de Verão e muitas vez, passear, durante o Inverno. Lá os Padres beneditinos de Singeverga montavam duas barracas. Era com eles que íamos para a praia durante a semana. Ao Domingo, quando o Fábrica o patrão não precisava do meu Pai, era com ele que íamos. eu pequenina ao colo do Irmão Salvador e de outros. O Padre Miguel Múrias sentava-me nos seus joelhos e contava-me estórias. Saudades do tempo em que bastava um colo para me aconchegar e afastar todos os medos e uma mão para me enxugar as lágrimas. Como é duro ser grande...

2012-07-04