19 de agosto de 2008

Prometeu e o "Quarto escuro"


Prometeu e o "Quarto escuro"

Há muitos, mas muitos milhares de anos os nossos ancestrais desconheciam como fazer lume, iluminar voluntariamente as cavernas onde viviam, cozinhar. Presume-se que a “descoberta do fogo” ou seja passagem do desconhecimento de qualquer técnica para atear o fogo a qualquer material à forma voluntária, consciente de queimar madeira ou folhas com o objectivo de fazer luz, iluminar, cozinhar ou mesmo afastar os animais e principalmente o medo que a incerteza da escuridão provoca terá sido empírica e acidental. O ser humano ao observar os fenómenos que ocorrem na natureza de forma acidental e espontânea aprendem a tirar partido deles, a usá-los em seu proveito, a provocá-los e a dominá-los. Assim aconteceu com o fogo, a LUZ. O ser humano nos seus primórdios terá pegado, usando qualquer suporte (uma pedra, um pedaço de madeira, qualquer objecto), para levar consigo algumas folhas secas nas quais terá caído um raio, ou mesmo ateadas pelos raios de sol o lume para a entrada da sua caverna para aumentar as horas de luz ou afugentar animais e medos. Ésquilo (525 a.C. – 456 a.C.) na lenda “Prometeu acorrentado” escreve a interpretação mitológica da descoberta do fogo. Prometeu rouba o fogo do Olimpo e oferece-o ao Homem sendo por isso catigado severamente, acorrentado, tendo sido posteriormente liberto por Hércules passando a guardião e deus do Fogo.

Sempre me senti incomodada na escuridão. Posso, até, dizer que tenho medo, pavor, do escuro. Não tenho memórias de infância, ou terei muito poucas. Limitam-se as minhas memórias de infância aos cheiros do Natal, ao ir buscar o Folar da Páscoa (um Pão de Ló) a casa dos meus Padrinhos, o imenso calor no dia da minha Comunhão solene/Crisma e do lindíssimo vestido que a minha Mãe adaptou para eu vestir nesse dia e já tinha sido vestido pelas minhas irmãs e prima, a voz dos meus avós paternos (“Meus meninos de onde viestes? Da Inglaterra. Debaixo da terra? Ai, coitadinhos. E o que comíeis lá? Presunto. Defuntos? Ai, coitadinhos…”) dos verões em convívio com os Beneditinos que iam passar as férias a Azurara muro com muro com a nossa casa e eu via-os de batina e escapulário pretos de breviário aberto nas mãos a percorrerem “o carreiro” ladeado de agapantos e outras flores nos dois sentidos a rezarem aquilo que agora sei serem as Horas. As memórias que tenho da casa como ela era na nossa infância são muito vivas e eu acho que seria capaz de a percorrer, ainda, de olhos fechados sem tropeçar passados que são mais de trinta anos de ela ter deixado de ser como era. De olhos fechados mas luzes acesas para me sentir segura e ver à minha volta quando os abrisse pois eu tenho pavor do escuro. Tenho uma táctica para afugentar esse pavor quando por qualquer razão está escuro e me é impossível acender a luz: cantarolo. Quando era muito criança chorava. Depois, não sei bem se por vergonha, pois desde muito cedo aprendemos que não devemos chorar em circunstância nenhuma, aprendi a cantarolar enquanto atravesso um lugar sem luz.


Na nossa casa havia um “quarto escuro” e eu lembro-me que lá eram guardadas as coisas pouco usadas em estantes ao lado esquerdo quem entrava. Era nesse quarto escuro que algumas vezes, eu recordo, eram trancados os “meninos maus” para serem castigados das travessuras mais ousadas. Não me recordo se alguma vez me calhou essa “sorte”, se calhou o meu cérebro apagou essa memória. O certo é que apenas de pensar nesse quarto eu fico angustiada. Talvez que esta angústia seja sinal de que lá tenha estado alguma vez a cumprir alguma pena por alguma travessura mais ousada.

Os quartos escuros não desapareceram da minha vida. Há algumas situações que me fazem sentir a mesma angústia dolorosa, o mesmo pavor, exactamente como se alguém me tivesse trancado num quarto escuro. Quando, sem entender qual terá sido a travessura ousada, sinto a porta a fechar-se, a chave a rodar e o espaço onde estou ficar, de repente, sem qualquer luz, sem um fresta por onde entre nem que seja um ténue raio de Sol, começo por cantarolar. O tempo vai passando e a voz saindo mais forte, tão forte como o medo, o pavor e quando o cantar alto já não chega, entro em choro que de repente é convulso, incontrolável e quando eu grito desesperada “até quando??” e ouço do lado de fora “…só às 22:00 perfazem 10080 minutos” Não há indulto! Ainda faltam 310 minutos e nem sei de que “crime” sou acusada, o choro para e um misto de esperança e desalento instalam-se e eu acabo por, finalmente, adormecer, mas no meu cérebro mantêm-se a pergunta: “qual foi, desta vez, a travessura que ousei fazer?” E quando acordo ao som da chave a rodar e o Sol me cega por demasiados dias na escuridão não tenho respostas, apenas os raios do Sol a cegarem-me, a aquecerem-me os ossos e a vida, a tristeza infinita e a insegurança de “estarei a comportar-me mal ou a ousar mais alguma travessura que não tenho consciência de ter cometido? Onde é a porta do tal quarto escuro? Como evitar que ela se feche? Não sei, cada vez as respostas são menos e o quarto? Onde fica o quarto? O que pensará e sentirá Prometeu quando me priva do Fogo e da luz?

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Do outro lado da porta do quarto escuro nada se move. Só silêncio gélido.

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Os fantasmas dançam nas paredes e no tecto do quarto escuro. Não sei quando termina o dia e começa a noite lá fora pois aqui à noite sucede-se a noite. Não fecho os olhos, não durmo pois receio que os fantasmas deixem as paredes e o tecto e me povoem sonhos e dancem entre gargalhadas de escárnio "Nhã, nhã, nhã, nhã, babona que estás no meio, oh babona, és mesmo uma toleirona, oh babona, nhã, nhã, nhã, nhã" e eu sem dormir as gargalhadas a explodirem-me os olhos desorbitados de escuridão...as mãos suadas...há quantos dias não durmo

1 comentário:

Alecrim disse...

Já voltou a luz?

Um beijinho, Loura-morena.