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Nasci em Vila do Conde, Caxinas, Poça da Barca, Póvoa de Varzim, Aguçadoura...perto e ao mesmo tempo longe do lar onde nasci e cresci. Mas havia as peixeiras que caminhavam quilómetros, canastra à cabeça, vinham em bando, como as gaivotas, sempre gracejando, ou quase sempre naquele dialeto a soar a mar (muito parecido com a fala de Rabo de Peixe, Faro, Nazaré), vinha a Dos Anjos que Marias eram todas, umas Dos Anjos, outras da Guia, outras de Fátima, mas todas Marias como a Mãe de Deus e todas tinham os "homes" embarcados no bácálhau que viria mais tarde cobrir os arames das secas que ocupavam a margem direita do Ave desde a Doca até à Senhora da Guia dos dois lados da estrada, que mulheres, também de pescadores , estendiam, viravam e guardavam, sentadas nuns cavaletes de forma a verem toda a seca da sua responsabilidade não fosse algum gato ou cachopo atrevido botar a mão e levar à surrelfa um dos peixes cobertos de abundante sal, o bacalhau escalado. Quando o sol ameaçava esconder-se por detrás do Castelo a mulheres recolhiam para carroças que puxavam até ao armazém onde o bacalhau ficaria guardado até ao dia seguinte. Nós, a caminho da praia, muitas das vezes faziamos menção de botarmos a mão a um bacalhau, a gente só queria ouvir as ameaças, os palavrões, os impropérios, nós eramos meninos finos, nas nossas casas não se falava assim e nós achavamos graça. A Dos Anjos era a nossa peixeira, a Dos Ajos ficava sempre para trás pois enquanto vendia o peixe fresquinho, da lota, Dona Margarida, a sinhora sabe que num a ingáno, se o peitxe não fosse fresco eu a si num lo bendia, sempre naquele tom a soar e a saber a mar, e a Dos Anjos tinha seu home embarcado nas terras do bacalhau e falava à minha Mãe nos dois pequeninos que deixara em casa à sua sorte, pois as mulheres tinham que vender o peixe, apanhar o sargaço e os pequeninos ficavam em casa deixados à sua sorte que Deus proteje os mais pequeninos e a Senhora dos Anjos bota-les a mão. Mas Dona Margarida, ele foi a tchorar e eu fiquei a tchorar, a sinhora num sabe o que aqueles homes passu naquele mar de Deus, é sêde, é fome, é os trabalhos, é os que caem e ficam enterrados naquele mar de Deus, o mê cunhado foi no áno passado e nunca burtou, a minha irmá butou luto mas nunca ninguém biu o meu cunhado morto, é a nossa bida. Até à cumpánha bortar eu num sei se o meu é bibo ou morto, que Deus nos ajude...
Por vezes esqueço que tenho passado e de repente...
2 comentários:
Todos têm passado, claro. Mas para muitos o passado só começa onde convenientemente o presente saia realçado e que venha favorecer o futuro!
Mas são as primeiras raízes aquelas que acabam por moldar as pessoas, despidos os estereotipos de conveniência.
Emocionou-me de veras este seu salto ao passado!
Bem haja!
O que era de ti sem o passado? Gosto de aqui vir ler-te.
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