E porque gostei particularmente do texto de apresentação de Pedro Gomes e tive a sorte de o receber através de Daniel Gonçalves que sabia o quanto eu gostaria de ter o texto, aqui está ele
APRESENTAÇÃO DO LIVRO “AÇORES – O IMPÉRIO DOS FÓSSEIS”
VILA DO PORTO – 12 DEZ2009
Minhas Senhoras e Meus Senhores
As minhas primeiras palavras são de sentido agradecimento ao Doutor Sérgio Ávila e ao Pedro Monteiro pelo convite que me fizeram para apresentar o livro Açores – o império dos fósseis.
Conhecida a minha ignorância em matéria de fósseis e a falta de jeito para a fotografia – para além das tradicionais fotografias de família, em que, muitas vezes, pés ou cabeças, inexplicavelmente, desaparecem da objectiva – o convite é uma temeridade, que só a amizade pode justificar.
Em tempo de Natal, que convoca a memória e a alegria do reencontro, juntamo-nos para assinalar a combinação feliz entre os sentidos e a ciência.
Nestas ruas que percorri vezes sem fim, em que brinquei e me fiz gente, entre as gentes que conheço e em que me reconheço, estou em casa.
Ao fundo, a Matriz em que me baptizei. Mais ao lado, as casas em que morei. Aqui mesmo, onde nos encontramos, no Centro de Interpretação Ambiental Dalberto Pombo - local que evoca um amigo de longa data - a casa duma das minhas catequistas.
Aqui pertenço. Sou daqui, nesta singularidade de ilhéu que nos distingue de todos os outros portugueses.
Como povo açoriano – expressão de que alguns não gostam – definimo-nos na relação com o mar, com os vulcões, na luta contra as intempéries e a natureza inclemente ou contra a incompreensão do poder político que persiste em não entender que somos diferentes.
As adversidades moldam-nos o carácter. As dificuldades temperam-nos a coragem. A distância – todas as distâncias que temos de vencer – fazem-nos mais determinados. Não desistimos nunca.
Como escreveu João de Melo, num verso que gosto de evocar, somos o “povo que nasceu do mar”.
Minhas Senhoras e Meus Senhores
Comemora-se, neste ano de 2009, o bicentenário do nascimento de Charles Darwin e os cento e cinquenta anos da publicação da Origem das Espécies, o seu livro mais famoso.
Poucas obras na nossa história terão mudado duma maneira tão profunda, a perspectiva sobre nosso lugar no mundo.
No final duma viagem de cinco anos a bordo do navio Beagle, Darwin passou pelos Açores, a caminho de Inglaterra. Primeiro na Terceira, depois em S. Miguel.
Charles Darwin achou as ilhas pouco interessantes, não lhes dedicando mais do que quatro breves referências na Origem das Espécies. “Gostei imenso da visita, mas não encontrei nada digno de registo”, afirmou.
Pois bem, nas ilhas há uma história para contar e muita coisa digna de registo, como demonstra O Império dos Fósseis.
Cento e cinquenta anos depois, Sérgio Ávila e Pedro Monteiro ajudam a revelar o erro de Darwin, confirmando a biodiversidade destas ilhas e o facto dos Açores serem um laboratório natural, no meio do impaciente oceano Atlântico.
Não poderia haver coincidência mais feliz do que esta, para nos reunirmos em Santa Maria.
O Império dos Fósseis é um prazer para os sentidos.
A belíssima fotografia de Pedro Monteiro transporta a magia dos lugares e das coisas.
O Pedro Monteiro, com apurada sensibilidade de artista, faz da fotografia dum livro de carácter científico, uma obra de arte.
Através do olhar do Pedro Monteiro, os lugares chamam por nós.
O Império dos Fósseis é, também, um livro de divulgação científica.
Escrito por um jovem cientista, formado na Universidade dos Açores e já com um intenso percurso académico de investigação, este livro conjuga o rigor do cientista com a qualidade do divulgador da ciência.
De modo aparentemente simples, o Doutor Sérgio Ávila conduz o leitor pelos caminhos da expedição científica realizada em 2006 a Santa Maria, para estudo das jazidas de fósseis, transformando-o em mais um membro da expedição.
Oscilando entre o registo de diário de expedição e o da anotação científica, O Império dos Fósseis é um precioso guia de conhecimentos sobre fósseis e de redescoberta de Santa Maria.
A este propósito, o título do livro não podia ser mais significativo: tal como nos Impérios do Espírito Santo, em que a Fé a todos iguala, no louvor da terceira pessoa da Santíssima Trindade e na partilha da carne, do pão e do vinho, o saber que este livro revela é acessível a todos.
Fazer ciência e divulgá-la ao público em geral não está ao alcance de muitos. Sérgio Ávila e Pedro Monteiro conseguiram-no com este livro.
Afinal, O Império dos Fósseis significa ciência para todos.
Com este livro retomamos inquietações de sempre: quem somos? De onde viemos? Como evoluiu a vida na terra?
Em cada fóssil, os cientistas procuram uma nova resposta. A cada nova resposta, surge outra dúvida. Eis a essência do conhecimento científico.
Num certo sentido, O Império dos Fósseis desperta em nós a inquietação sobre o nosso lugar no mundo, sobre o princípio e o fim e o big bang do universo e da vida.
Minhas Senhoras e Meus Senhores
Se os fósseis e as suas jazidas são mapas silenciosos da nossa história biológica, o livro que hoje é lançado constitui um desafio à afirmação de Santa Maria como um geo-parque.
A paleontologia permite colocar Santa Maria num roteiro de locais de interesse científico - relevantes para a comunidade científica – e de geo-parques com inegável interesse turístico.
A partir de fósseis com milhares de anos, há uma oportunidade para diferenciar Santa Maria no presente, com um evidente sentido de futuro.
Apesar de ser uma ilha pequena, Santa Maria não tem de estar na periferia do conhecimento.
Certamente, Dalberto Pombo, pensou assim.
O Império dos Fósseis evoca a sua memória, numa justa e merecida homenagem, que ultrapassa a barreira física das ilhas.
Saúdo, neste momento, com amizade, a sua família aqui presente, partilhando a saudade pelo seu desaparecimento.
Conheci Dalberto Pombo desde sempre, como os Açorianos se conhecem. É um amigo de saudosa memória.
Escriturário por dever de ofício, foi um naturalista por devoção e um pedagogo por convicção.
No Corpo Nacional de Escutas – de que foi um dos fundadores - ou no Centro dos Jovens Naturalistas – que fundou e dirigiu – sempre privilegiou a transmissão de conhecimentos aos mais jovens.
Espírito inquieto, com uma curiosidade insaciável, Dalberto Pombo promoveu a divulgação científica e a educação ambiental, incutindo em todos a vontade de saber mais.
Auto-didacta, formou centenas de jovens – um dos quais eu próprio – iniciando-os no conhecimento científico e ensinando as técnicas e cuidados de colheita, classificação, preparação e preservação de espécies, nas áreas da botânica, geologia ou da biologia.
Ainda hoje, conservo algumas caixas com borboletas e insectos, colhidos em trabalhos de campo, devidamente “preparados” – como dizíamos na gíria de naturalistas amadores - para exibição, catalogados e que fazem as delícias dos meus filhos. Permitam-me referir, que os bichos têm resistido bem aos últimos trinta anos…
Lembro-me que, quando não havia alfinetes entomológicos (adequados à conservação de insectos), pois eram caros e difíceis de obter, recorríamos aos alfinetes de cabeça, surripiados à caixa de costura da mãe – alternativa sugerida por Dalberto Pombo, com o seu proverbial espírito de improviso.
De Lisboa à Nova Zelândia correspondeu-se com cientistas, universidades, centros de investigação e outros naturalistas e participou em inúmeras expedições, tornando-se uma referência incontornável.
Contribuiu para a descoberta de dezenas de novas espécies para a ciência, tendo sido homenageado com a atribuição a cinco delas do restritivo específico pomboi.
Refiro aqui, também, a descoberta, em S. Jorge, duma sub-espécie da borboleta Hipparchia Azorina que, tendo sido dedicada ao Centro dos Jovens Naturalistas tomou a designação de Hipparchia Azorina Cejonatura.
Sem dispor dos meios de comunicação de hoje, Dalberto Pombo não se intimidou com a pequenez insular, dando às coisas do espírito a dimensão que a geografia não autorizava.
Fez da ilha um mundo de outros mundos, com humildade e generosidade.
Como reconhecimento – sempre insuficiente – da sua dedicação ao bem comum, a Assembleia Legislativa concedeu-lhe em 2008 e a título póstumo, a Insígnia Autonómica de Mérito Cívico, para que tive o gosto de contribuir, enquanto Deputado.
No Centro de Interpretação Ambiental, onde estão depositadas as suas colecções, lembramos um homem de coração grande que amou a ilha que se tornou a sua terra.
Dalberto Pombo deixou seguidores. Os autores d’ O Império dos Fósseis são disso exemplo.
Saudade não é tristeza.
Que O Império dos Fósseis nos seduza e inspire a conhecermos os Açores como Dalberto Pombo procurou conhecer.
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