5 de julho de 2017

ESTA NOITE SONHEI


Esta noite sonhei. Será que não sonho todas as noites? Apenas posso dizer que hoje a recordação de um sonho que tive esta noite está particularmente presente. Lembro-me dele como se o estivesse a sonhar, neste momento, acordada. Eu andava numa praia que tanto poderia ser a de Azurara como a Praia Formosa, um extenso areal, a maré baixa. Eu arrastava os pés na espuma das vagas que mansamente espraiavam. Braços caídos ao longo do corpo, olhos no chão, ou melhor, na areia molhada. As lágrimas quentes e salgadas desciam pelo meu rosto e algumas morriam nos cantos da minha boca entreaberta, outras caíam nos meus pés e juntavam-se à água do mar, ambas salgadas. Uma sombra cresce lentamente para mim. Levanto os olhos nublados e uma figura de homem, sem rosto definido mas que me parece o teu, momentos depois o do Padre Miguel Múrias, depois ainda o do Irmão Salvador, sorrindo. Ergue as mãos, afaga-me o rosto, enxuga-me as lágrimas, abraça-me. Conduz-me para a base da duna onde sempre ficou a barraca dos Padres, senta-me nos joelhos como se eu nunca tivesse crescido e conta-me a estória do rei que gostava de estórias que não terminavam, da princesa, do jovem lavrador, do formigueiro e do celeiro real: “e foi mais uma formiga e tirou um grão de trigo…e assim a princesa e o lavrador casaram e foram felizes para sempre”. Aquela voz dentro da minha cabeça, dentro do meu coração, a tua, a do padre Miguel…,a do Irmão Salvador eu já não recordo. E eu pequenina, indefesa, mas aconchegada naquele colo com a certeza de que nada poderia fazer-me chorar as lágrimas que eu já, afinal grande, choro. Onde estás tu? No presente? No passado? Quem és, afinal, tu? Onde estás? Existes? E aquela voz: a luz que precisas, as certezas que procuras só ele tas pode dar. Mas, onde estás? E de novo as lágrimas, sempre elas, e os olhos nublados e todos os rostos a parecerem o teu.

Na foto, à esquerda, pode ver-se parte da praia de Azurara para onde ia todos os dias nos meses de Verão e muitas vez, passear, durante o Inverno. Lá os Padres beneditinos de Singeverga montavam duas barracas. Era com eles que íamos para a praia durante a semana. Ao Domingo, quando o Fábrica o patrão não precisava do meu Pai, era com ele que íamos. eu pequenina ao colo do Irmão Salvador e de outros. O Padre Miguel Múrias sentava-me nos seus joelhos e contava-me estórias. Saudades do tempo em que bastava um colo para me aconchegar e afastar todos os medos e uma mão para me enxugar as lágrimas. Como é duro ser grande...

2012-07-04

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