3 de maio de 2004

Dia Mundial do Trabalhador

Como já disse eu não alinho muito com os dias mundiais seja do que for. Acho que, se é importante lembrarmo-nos das coisas elas deveriam ser lembradas todos os dias. Mas a sociedade está assim organizada e lá comemoramos nós o dia Mundial da Criança e aí os miúdos têm tratamento especial nas escolas, dão passeios, comem gelados, vêm filmes, aturam os palhaços que detestam (lembro que uma vez veio cá um palhaço e vi um miúdo com tanto medo dele que chorava agarrado ao pescoço da Mãe), fazem-se colóquios sobre os problemas da infância e pensamos com muita solidariedade nas coitadinhas das criancinhas carenciadas que provavelmente existem mas que estão fora do alcance da nossa vista e muito mais do coração. Depois, há o dia do Idoso, vamos aos asilos, ah, desculpem já não se diz asilo mas Lar de Terceira idade, damos florinhas aos idosos, um docinho não muito doce por cauda da diabetes, saímos e não nos lembramos deles nos próximos 364 dias.
Nesta semana que passou entre outros dias mundiais, nacionais e afins comemorou-se o Dia Mundial do Trabalhador. Não vou dissertar acerca da sua origem Mas vou reflectir sobre o que ele representou num passado recente e o que representa na actualidade.
Eu ainda sou do tempo (adoro esta frase...como ela me faz antiga e conhecedora de factos e situações que os novos desconhecem) em que o sindicalismo era clandestino, em que o governo corporativo português tinha pavor que os trabalhadores conversassem, se juntassem e unissem em torno fosse do que fosse. Sindicatos legais, só os formados pelos bufos dos patrões. Mas os sindicatos existiam e apesar de proibidos eram fortes, tinhas sócios e dirigentes que trabalhavam nas organizações e estavam sempre sujeitos a serem denunciados por algum colega mais lambe-botas. Eram famosos o dos bancários, dos metalúrgicos, dos escritórios, dos ferroviários e mais uns quantos.
Quando aconteceu o 25 de Abril as organizações sindicais tinham poder reivindicativo, eram respeitadas, tinham poder negocial. O Primeiro de Maio foi durante anos uma grande festa. Festa no verdadeiro sentido da palavra, festa em que se festejava sem esquecer que era preciso continuar a lutar pelos direitos laborais. Durante alguns anos a vida em Portugal melhorou, aumentou o poder de compra, os direitos dos trabalhadores foram consignados na lei. Mas quando a alternância democrática fez chegar ao governo partidos ligados aos patrões e ao dinheiro começaram os pequenos ataques a esses direitos, começamos a apertar o cinto, por outro lado as organizações sindicais começaram a desmembrar-se, de um sindicalismo vertical, de classe e forte começaram a aparecer os sindicatos paralelos, o sindicalismo horizontal. Os patrões que antigamente negociavam com um sindicato que representava quase todos os trabalhadores começa a ter mais do que um interlocutor, começa a ver que contentando um dos sindicatos já tem a guerra sindical quase ganha. Temos actualmente sindicatos para todos os gostos e o resultado disso são os contractos a prazo, a perda do direito a um emprego estável. Os contratos a prazo tornam-nos mais fracos pois temos de "andar sempre em sentido" senão no fim do contracto: Rua! Não podemos "levantar cabelo", temos de ter toda a polivalência que o patrão entender. Lá se foram os contractos colectivos, lá se foi a unidade dos trabalhadores.
Tem esta reflexão a ver com a indiferença com que vimos passar o Dia Mundial do Trabalhador, o Primeiro de Maio. Os trabalhadores ficaram em casa, não festejaram nem reivindicaram. Não estão preocupados com a avalanche de despedimentos e de falências. Há uma apatia e uma falta de participação que me preocupa, me faz pensar nos próximos actos eleitorais, no exercício de um direito fundamental para a democracia: o voto. Cada português que se abstém de votar abre a porta ao oportunismo político, enfraquece cada vez mais a democracia.
A tendência crescente para a abstenção é preocupante. O descrédito em que está a cair a democracia tem que ser seriamente estudada e encontradas formas de envolvermos, de novo, todos os portugueses na vida democrática.
Espero que, com esta pequena reflexão tenha contribuído para iniciar o debate sobre as suas causas e a forma de alterarmos o estado de apatia instalado relativamente à vida política Regional, Nacional e Europeia.
Boa semana para todos
Ana Loura
Santa Maria, 03 de Maio de 2004

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