4 de fevereiro de 2008

"Tas-te consolando"


“Tas-te consolando”

Quando cheguei a Santa Maria já trazia alguma “rodagem” nos termos linguísticos Açorianos, mas sempre havia termos que me eram estranhos ao ouvido e ao olhar. Um dia encontrei no meio dos papéis velhos do meu marido uma brochurazinha que na capa tinha escrito em letras mais gordas “Estás-te consolando”. Ora para mim a frase era nova e de certo modo estranha. Não pelo gerúndio que a esse eu já me estava habituando. O certo é que eu estranhei a frase. De curiosidade aguçada fui passando os olhos pela capa e conclui que aquilo era “apenas” o programa de apresentação de uma Revista à Portuguesa e que o autor era um tal Lopes de Araújo. Fui de surpresa em surpresa conversando com o meu marido que me explicou que aquela era uma de algumas das peças criadas, musicadas e encenadas por Lopes de Araújo e levadas à cena no Atlântida Cine o Cinema do Aeroporto. Penso que me terá sido dito que muitos dos personagens retratados nas revistas eram os próprios que os representavam. Pelo que sei foram 5 as peças de Teatro musicado escritas pelo autor: Estás-te consolando; Ai, não me enganas; Isto agora é outra conversa; Tira a mão daí e Larga o osso.

De Lopes de Araújo fiquei apenas, nessa altura, a saber este “pequeno pormenor” das peças de Teatro Ligeiro, de revista, e que era Pai do entretanto Director da RTP Açores.

Há alguns anos, penso que uns quatro, reencontrei-me com o autor pela mão da minha muito querida Comadre e amiga Isabel Valente ao visitar o seu blog Mulher Mariense onde ela transcreveu um poema. Entretanto a Isabel criou um blog de raiz para onde transcreve poemas dos livros de Lopes de Araújo cujo único objectivo é difundir, dar a conhecer, a obra poética do autor.

Lopes de Araújo tem publicados os livros de poesia Noite de Alma em 1944; Cinzas quentes em 1952; Falas do Coração e 1970; Remos partidos em 1983; Outono da vida em 1985; Horas contadas em 1992; Labaredas em 1993 e Antologia poética. Em prosa são estas as obras publicadas: Imagens da vida - Teatro radiofónico; Quem diz a verdade (prosa) e Retratos (diálogos).

Do Blog Remos Partidos retirei esta pequena biografia:

"Nascido na freguesia de S. José, em Ponta Delgada, em 25 de Janeiro de 1919, desde muito novo revelou a sua natural inclinação para as letras. Durante largos anos, foi jornalista, tendo depois continuado a colaborar em toda a imprensa insular. Proferiu diversas palestras, sobretudo na ilha de Santa Maria, onde também exerceu o magistério, transitando depois para uma companhia de aviação estrangeira. Em Santa Maria, foi um dos pioneiros do Emissor do Clube Asas do Atlântico, onde criou todos os programas vivos que manteve, com regularidade, por muitos anos. Acérrimo defensor dos interesses daquela ilha, dirigiu por alguns anos o “ Suplemento Santa Maria “ que o Correio dos Açores, por iniciativa do seu então Chefe de Redacção Manuel Ferreira, escritor de reconhecido mérito, editava mensalmente. A obra do autor, José Maria Lopes de Araújo, mereceu sempre da crítica as melhores referências. O Poeta dedicou-se ainda, nos seus trabalhos jornalísticos, à crítica social, e ao teatro ligeiro, deixando o seu nome ligado, com notório relevo, a esta outra faceta da sua apreciada actividade literária. Na sua poesia, que revela sempre uma sensibilidade requintada, predominam uma tristeza e uma nostalgia que deixam transparecer frutos de um vida inquieta e angustiosa.“ Remos Partidos “ envolve-se num negro véu de ansiedade que nem ele próprio, Lopes de Araújo, o autor, consegue esconder."

A nostalgia, a presença constante da morte na sua poesia contrasta com a alegria, o colorido que deu à escrita das suas Peças musicadas


QUANDO EU PARTIR


Vergado pelo peso do destino,
Hei-de tombar, um dia, já cansado
De palmilhar um mundo mau, cretino,
Que assim me faz viver desalentado.

Não mais voltar a ver o triste olhar
Dos que vivem com fome de justiça,
Dos que passam, mirrados de chorar,
Na dor que o vento da amargura atiça.

Então, que ninguém chore! Que ninguém
Lamente esta descrença no Porvir …
Para quem sofre, a morte é sempre um Bem …
Bendigam pois a hora em que eu partir! …


Lopes de Araújo partiu fará 15 anos este ano. Partiu mas ficou a sua obra que temos o dever de divulgar. Foi para Santa Maria uma honra que ele tenha vivido cá. As fitas com as gravações das Revistas e Teatros Radiofónicos que o ASAS possui, espero que ainda possua, devem de ser passadas a suporte digital com urgência. Santa Maria tem obrigação histórica de preservar e divulgar este património cultural ímpar. Muito haverá, ainda, para ser dito sobre as revistas e restante obra de Lopes de Araújo, sobre o tempo em que cá viveu mas tanto não cabe numa pequena crónica semanal como esta.

Para quem esta minha crónica aguçou a vontade de conhecer a obra poética de Lopes de Araújo deixo o endereço do Blog http://www.remospartidos.blogspot.com/. Garanto-vos excelentes momentos de leitura.


Abraços marienses
Árvore, 4 de Fevereiro de 2008
Ana Loura

5 comentários:

Alice disse...

a express�o que d� t�tulo ao post foi das que me ficou para sempre. J� a ensinei � minha filha e espero que ela a lembre. S� se diz assim em Santa Maria ou tamb�m se usa no resto do arquip�lago?
t�-se bem
beijinho
ap

Anónimo disse...

O grande Homem que foi JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO, merece sem dúvida o destaque que lhe deste na tua crónica.

Não sendo Mariense de nascimento, adoptou a Ilha de S.Maria, como sendo a sua ilha adoptiva, como ele fazia questão de dizer.
Para além das obras conhecidas de Lopes de Araújo, houve uma inesquecível - a criação da SOPA DO POBRE ,- ( onde hoje é a Creche na Mãe de Deus em Vila do Porto ), - para muitas pessoas pobres da ilha, a única refeição que conheciam por dia.

A entrega de Lopes de Araújo à ilha de S. Maria não teve limites.

Sobre Santa Maria, entre outros poemas, deixo um pequeno excerto que me parece bastante actual….

ILHA DE SANTA MARIA
…./…

Quem pode partir, um dia
Sem nunca mais te abraçar?!...
Ó minha Santa Maria,
Quem te pudesse abraçar!
...../…
Ó minha Santa Maria,
Ilha tão abandonada...
Rainha fizeram-te, um dia...
Hoje, escrava, não tens nada! ...
…/…

....Santa Maria, ilha Santa...
Que tudo e tudo aceitas,
Mesmo de esperanças perdidas...
Mesmo de esperanças desfeitas!...

Ilha de Santa Maria!
Ó minha terra adoptiva!
Nunca mais te esquecerei,
Por muito e muito que viva.
..../…

Quem pode partir, um dia,
Sem nunca mais te lembrar?
Ó minha Santa Maria,
Quem te pudesse abraçar!....


Obrigada ANA, não sendo tua uma Mariense de nascimento és como o Lopes de Araújo, uma pessoa que ama esta ilha.

Bem hajas por isso!!

Beijo

Anónimo disse...

Conheci o Sr Lopes de Araujo,era uma pessoa diferente,preocupava-se com os mais necessitados,interessava-se pela cultura tendo sido um grande dinamizador nessa area."Estas-te consolando"e "Isso agora é outra conversa" foram as 2 revistas mais conhecidas.Julgo que já altura de fazer uma homenagem a esta personalidade e a Camara deveria pensar nisso

Anónimo disse...

Li com muito interesse e agrado os comentários sobre Santa Maria. Nasci na Vila do Porto há 57 anos e vivi lá até 1964, ano em que tive de vir para Lisboa.
Quando deparei no seu relato comentários sobre Lopes de Araújo e em especial sobre o "Estás-te consolando", nem queria acreditar.
Os meus pais fizerem parte dessa revista e eu, mesmo ainda criança, lembro-me de assistir aos ensaios e depois às representações. Foram épocas muito animadas. O meu pai fez vários papéis, como "o menino da escola", "o bêbedo", o "fanático benfiquista", o "Sr. Serrano", e outros...
Ainda esta semana fiz cópias destas fotos e tive o grato prazer de as dar como recordação ao filho do artista que pintou todos os cenários do "Estás-te consolando"... Nem de propósito, agora regresso ao tema... é mesmo um "consolo" regressar a S. Maria e a esses belos dias...

Quanto à obra de Lopes de Araújo... já li diversos poemas e só posso comentar que são de uma grande qualidade e revelam a sua grande sensibilidade e grande alma de Grande Homem e Grande Poeta.

É um grande orgulho poder dizer que me lembro dele... e recordo com gratidão o modo como fala da minha terra nos seus poemas e também o bem que ele fez às gentes desta Ilha.

Como ele dizia num dos poemas cantados no "Estás-te consolando":

"...Ó ilha de sonho e glória
Jamais te pode esquecer
Quem te visitar um dia!
Cinco séculos de História,
Emolduram teu viver,
Terra de Santa Maria!
Terra, mãe de gente amiga!
És jardim de raras cores!
És a conta mais antiga,
Do rosário dos Açores!..."

Um grande abraço para si e um maior ainda para Santa Maria que trago sempre no coração.

Anónimo disse...

Querida amiga,
Não sei porquê só agora vi o comentário á memória do meu saudoso Pai.E como ele gostava de Santa Maria!Alguém aludiu à Fundação da Sopa dos Pobres.
Como me lembro em criança anos a fio todos os domingos almoçarmos mais cedo para irmos para a mãe de Deus ajudar a servir o almoço aos mais necessitados da ilha.Lembro-me de carregar os sacos de leite em pó da Caritas para as velhas cozinhas onde minha mãe a D.Helena Pessoa e a D.Teresa Leitão ajudavam na preparação dos pratos e das refeições.Um dia fui ter com uma velhota, a mais velha dos que lá procuravam o almoço de Domingo e de lhe ter perguntado olhando o rosto engelhado que idade tinha.A Tia Miquelina assim se chamava, respondeu-me em segredo..."sou mais velha que o Pico Alto"...
Obrigado por nesse Domingo igual a tantos, me ter feito recordar o meu querido Pai e a forma como me ensinou a ser Cristão muma pequena ilha longe do Mundo!...