30 de abril de 2007

Registos ou a memória que se perde


Nº. de Ordem 23, 24 de Maio de 1945
«A todos os agentes de ensino«Circular. Serviço da República. Passando no próximo dia 28 mais um aniversário da Revolução Nacional, vem esta Delegação recordar que, embora não seja feriado nacional, dentro da mecânica própria do trabalho escolar do dia, não deixem os Senhores Agentes de ensino de aproveitar a ocasião para avivar e vincar bem no espírito dos seus alunos tam gloriosa data e os benefícios que nos trouxe o Estado Novo. A Bem da Nação. O Delegado Escolar. Geraldo Soares Coutinho Cabral.»
Nº. de Ordem 40, 14 de Fevereiro de 1946
«Exmo. Sr. Director Escolar«Serviço da República. Informo V. Ex.ª que chegou a meu conhecimento que a Regente da escola mixta da Calheta Senhora D. Maria da Conceição Santos Medeiros, costuma entrar tarde para a escola, que sai antes da hora legal e que alguns dias não tem dado aulas. Creio, que o que a tem levado a isso é um namoro que tem com um americano com quem costuma passear, namoro para o qual me chamaram a atenção por se estar transformando em escandaloso. Informaram-me, também, que esse americano entrava na escola. A Bem da Nação. O delegado Escolar. Geraldo Soares Coutinho Cabral.»

Nº. de Ordem 77, 18 de Janeiro de 1949
«Exmo. Director Escolar do Distrito de Ponta Delgada«S. R. Tenho a honra de informar V. Ex.ª que domingo último, se realizou no salão da Câmara Municipal, depois da última missa paroquial, nova palestra à cerca da necessidade da fundação da cantina escolar das escolas desta Vila, como V. Ex.ª dispôs. Encontravam-se na sala 61 pessoas. Presidiu à sessão o Sr. Dr. Portugal secretariado pelo Exmo. Presidente da Câmara e Professora Maria de Jesus Tomaz. Lembro-me ter visto na sala, entre outras pessoas, os Srs. Dr. Jaime Osório, Armando Monteiro, Abílio Botelho, António Pacheco Medeiros, Laureano Monteiro, João Botelho das Fontes e as Sras. Dr. Portugal, D. Leonor Arruda, D. Ferlanda e D. Salete Faria Gastão, etc. Em nome de V. Ex.ª e intrepretando o seu desejo expus à assistência a finalidade da reunião, dando em seguida a palavra ao conferente Sr. Professor Manuel de Barros. Este saudou a assistência, congratulou-se pela honra que lhe dava a presidência dum intelectual e deu em seguida começo à palestra cujo tema versou a Organização Corporativa e seu consequente valor quando aplicada às almas em flor que são as crianças, apelando para a generosidade de todos, esperando que o espírito associativo desabroche neste meio. Foi muito aplaudido, pois as suas palavras caíram profundamente no espírito dos assistentes. Pena foi não se ter registado maior número de pessoas. No final agradeci ao Sr. Professor Manuel de Barros em nome de V. Ex.ª a sua brilhante lição. A Bem da Nação. O Delegado Escolar. Geraldo Soares Coutinho Cabral.»

Nº. de Ordem 144, 8 de Junho de 1949
«Exmo. Sr. Director Escolar«S. R. Informo V. Ex.ª que deu entrada, hoje, nesta Delegação Escolar, a informação do teor seguinte: Exmo. Senhor Delegado Escolar do Concelho de Vila do Porto. Manuel Ventura de Loura, casado, residente na freguesia de Santo Espírito, concelho de Vila do Porto, participa a V. Ex.ª que tendo um filho de nome Osvaldo João Monteiro Loura, frequentando a escola masculina de Santo Espírito, onde é directora de ensino a Senhora D. Urânia, esta senhora não sei porque motivo, nos dias 5 e 6 do corrente mês, deu muitas pancadas com uma régua na cabeça do referido meu filho, ficando ele com inchações e nódoas negras a ponto de ir para a cama com bastantes dores. São testemunhas quase todos os alunos da mesma escola. Peço a V. Ex.ª se digne providenciar no sentido de não se repetir semelhante abuso e dar conhecimento ao Exmo. Senhor Director Escolar. A Bem da Nação. Freguesia de Santo Espírito, 8 de Junho de 1949. Manuel Ventura de Loura. (Segue o reconhecimento da assinatura). Informo também V. Ex.ª que oficiei à respectiva regente D. Urânia Maria Dias logo que recebi a informação, ordenando-lhe que não volte a espancar os seus alunos. A Bem da Nação. O Delegado Escolar Geraldo Soares Coutinho Cabral.»

Bom dia!

Há cerca de uns onze anos chega-me a Ângela a casa agarrada a três enormes livros, velhos com ar de terem sido encontrados na lixeira Municipal. “onde foste tu buscar isso? Já há lixo cá em casa que baste e vem esta rapariga carregada com mais…Não basta os gatos que acarta agora é livros velhos” Mas a Ângela parecia que trazia ao colo um cofre recheado de jóias e com o nariz empinado que sempre teve passou por mim e foi enfiar-se no quarto. À noite, não sei se desse dia, se do seguinte estivemos a ver os livros que estavam húmidos e bafientos. Explicou a Ângela que os encontrou na escola onde tinha feito a Pré-escolar, aquela frente ao Bairro de Santo Espírito e que havia lá mais. Folheámos os livros e eu vi que eram registos escolares, com informação muito interessante e fiquei curiosa em ver o que mais haveria lá na escola, por um lado, por outro espantada como livros desses estavam assim à mercê de qualquer um. Lembrava-me de ter passado à frente da escola, ou do que restava dela e ver vidros partidos, telhado aberto e mais me inquietou a situação. Combinamos lá ir no dia seguinte mas choveu torrencialmente e quando lá fomos o que vi deixou-me perplexa e triste, um monte de papelada, livros desfeitos, tudo ensopado. Já não havia nada a fazer, nada havia que pudesse, ainda, ser resgatado. Comentei com uma das professoras que me disse que não havia espaço na Escola do Aeroporto para guardar essas coisas.

Conclusão: parte da história de Santa Maria foi destruída quando aquela escola foi desactivada. Arquivos que foram considerados menores mas onde constavam episódios histórico, desaparecerams. Mas, não pensemos que o desaparecimento de documentos históricos se limita a estes; a história da Aeronáutica em Santa Maria está a desaparecer. Para além dos equipamentos antigos que já foram para o Museu da Ana em Lisboa tudo o que ficou em Santa Maria está, em grande parte, armazenado em condições deficientes e, creio, muita coisa já apodreceu, do que não foi vendido para a sucata. A fábrica da telha está no estado em que está, nem sei se as máquinas, os moldes que há poucos anos estava em estado de conservação razoável ainda lá estão. Só não roubou quem não quiz e como o telhado quase já não existe provávelmente o que resta estará a apodrecer. Se olharmos à nossa volta encontraremos muitos mais exemplos do que considero incúria, desleixo, falta de sensibilidade para a preservação do que temos e nos torna diferentes, únicos.
Daqui a nada somos uma ilha sem memória. Um povo sem passado é um povo sem futuro.
Estes e outros registos em http://www.registos-santamaria.blogspot.com/

Abraços marienses
Árvore, 30 de Abril de 2007
Ana Loura

Ah, só mais uma coisa, tem estado em S Miguel um grupo de cerca de 200 holandesas ligadas a agências de Turismo a quem o nosso Governo Regional terá pago parte ou a totalidade da deslocação, estadia, cocktails e passeios pelas três ilhas mais desenvolvidas dos Açores numa arrojadíssima campanha turística. O Governo compromete-se a subsidiar a vinda de turistas holandeses às ilhas de S. Miguel e Terceira se os agentes de turismo conseguirem uma ocupação dos voos acima de determinada percentagem. A vinda de turistas de alguns países do norte da Europa é já subsidiada...para a ilha de S Miguel. Com o dinheiro de todos nós. Não há coesão nem Ilhas de Valor que nos valha, ficamos sempre fora da carroça a ver os navios passar…

1 comentário:

Anónimo disse...

ana, penso que finalmente consegui entrar nos comentarios..
mais uma vez mt gostei deste teu registo de uma Historia que as pessoas tendem cada vez mais a considerar como um passado a esqueçer, como se nao fossem elas fruto desse passado..
mas nao sei se enquanto o exemplo nao vier de cima (dos governantes, dos pais, dos professores.. enfim de todas as pessoas que tenham a seu cargo funçoes instrutivas e educativas e até de todos nós que vivemos em sociedade) se as coisas irao mudar.
a proposito ainda do 25 de Abril, mt sensibilizada fiquei no outro dia com uma cronica de um anonimo lida na rdp, da qual eu extraía a seguinte ideia: que 25 de Abril trouxe um bem por demais precioso que é a Liberdade, mas que cedo foi esmagada pela libertinagem, e que agora, em vez das grades da censura e da opressao, tinhamos outras grades: as grades fisicas nas nossas janela e as grades do MEDO, da violencia, da esconfiança.. precisamos sentir que podemos sorrir a um idoso na rua sem que ele nos olhe com medo e desconfiança, precisamos poder abrir de par em par as nossas janelas e ver e cheirar o aroma das flores do nosso jardim sem medo da violencia,precisamos poder andar na rua a qualquer hora do dia sem medo dos assaltos..
nao é de modo algum Ana saudosismo do antigo regime (nem pela parte desse leitor nem pela minha.. de modo algum!!!) mas dá mt que pensar tudo isto Ana.. como de oprimidos do sistema passamos a oprimidos de nós proprios.. para nao falar que qualquer dia talvez voltemos a ser oprimidos do sistema, porque infelizmente começo a notar que existem formas mt subtis de censura e já começa a fazer suas vitimas..
um abraço e continua a trazer-nos esses "bocados preciosos de historia" que mta gente tende a esqueçer, nao se lembrando que no fundo nós somos fruto desse passado e que só à luz dele nos podemos conhecer melhor e que, por isso mesmo, é sempre um passado presente..
quanto às ilhas de coesão ou de valor ... sem comentarios... muito conversa e pouco sumo, para nao falar nos jogos de interesse que estarão por detras e que nem quero conhecer..