2 de abril de 2007

Vida vivida em terras de Baleeiros- Dias de Melo




Fotos retiradas do trabalho de Sidónio Bettencourt Baleeiros em terra
Bom dia!

Há quase 27 anos, quando cheguei ao Faial para “dar aulas” na Escola Secundária Manuel de Arriaga, a minha ignorância sobre a cultura açoriana (este conceito é discutível e discutido e a minha opinião sobre ele é que de facto existem particularidades na cultura nos e dos Açores que o justificam), como dizia, a minha ignorância só não era total porque conhecia dos ecrãs da RTP o escritor Vitorino Nemésio. Os primeiros livros que li logo nos primeiros dias, ávida de conhecer, de saber o pensar, o viver das gentes da terra onde iria viver, pensava eu, pelo menos um ano lectivo, foram Mau tempo no Canal de Vitorino que me fez “íntima amiga” de Margarida Clark Dulmo e João Garcia. Ainda estava a lê-lo quando passei pela montra de uma livraria quase frente ao Amor da Pátria, vejo vários livros de autores açorianos e escolho dois ao acaso: O Barco e o Sonho de Manuel Ferreira e Mar Rubro de Dias de Melo. Para mim, este último foi paixão à primeira leitura, de tal forma que quando ainda ia a meio voltei à livraria para saber se havia mais livros do mesmo autor e comprei o Mar pela Proa.

José Dias de Melo, professor, nascido no Pico, escreveu a grande maioria da sua obra na casa do Alto da Rocha na Calheta do Nesquim, retratando a dura vida dos pescadores e baleeiros. São personagens dos seus livros pessoas de carne e osso como mestre José Faidoca, mestre Manuel Costa, mestre Machadinho e muitos outros homens da terra que a trabalhavam de sol a sol interrompendo esse trabalho ao rebentar de um foguete a anunciar “Baleia à vista”, abandonavam a enxada no meio do campo, passavam em casa onde a mulher, de minguo farnel numa mão e soera na outra os esperavam para a despedida apressada.

Diz o escritor na nota explicativa do seu livro Vida Vivida em Terra de Baleeiros que para escrever este livro (e passo a citar) “Fundamentalmente, utilizei o que trago comigo, desde menino dentro de mim acumulado – o que vivi, o que ouvi dos Velhos, baleeiros e não baleeiros, e o que me resta de quanto, com os baleeiros da minha Terra, companheiros e amigos de sempre, vivi, na própria carne, no alto mar, entre botes e baleias. De dentro de mim o tive que desenterrar: não é fácil e chega a ser doloroso”.

Dias de Melo, numa escrita que nos faz constantemente ver um filme de uma realidade espantosa que nos faz quase ouvir as vozes, os remos a entrarem na água, penetrar na espessa bruma que cobre o mar quando os ventos estão de feição, o cheiro do sangue das baleias, muitas vezes misturado com o sangue dos “homens que andam no ganha pão que o Diabo amassou…”. E acrescenta no prefácio de Vinde e Vede: “Ora, o objectivo que defini e, com o plano que elaborei, me proponho alcançar com este livro, não é outro senão o do meu compromisso com os homens que trabalham no que os bem instalados nem à mão de Deus Padre querem para si, e sofrem, humilhados, ofendidos, na terra e no mar, na cidade e no campo, aqui, além… No caso decorrente numa Ilha qualquer, de onde tantos são a bem dizer escorraçados, de onde partem para irem pelo mundo distante e pelas Ilhas próximas à procura de sorte melhor.
Eu penso que nunca o homem pôde – eu penso que hoje mais do que nunca o homem pode esquivar-se ao compromisso com o homem.
Sei que literatura é arte. Sei que ser escritor, da prosa ou do verso, é ser artista. Sei que é arte é vida. Sei que o escritor é homem.”
(…)
“Daí o objectivo que defini para este livro – e para todos os livros que tenho escrito:
Comprometer-me com o homem. Estar com o homem.
Mesmo conhecendo, ao lado do que nele existe de puro, generoso, bom, a carga enorme de maldade, inveja, mesquinhez, mentira, traição, ódio que lhe instala no ser o demónio, que encarcera, amordaça e agrilhoa o anjo que no seu coração habita – mesmo assim, há-de o escritor comprometer-se com o homem, estar com o homem. Humildemente, como quem sabe que é homem, como todos os homens e que traz consigo todas as virtudes e todas as mazelas, todos os anjos e todos os demónios de um homem qualquer.
E talvez o romance, o conto, a narrativa, a crónica, a istória que contenha a transposição para a prosa de ficção literária, a história do homem, sua, também, ajude um pouco o homem a compreender, discernir, ver as raízes dos seus males, da sua maldade, da sua escravidão – e as estradas e os companheiros da sua redenção e da sua libertação.
Por isso – eu me comprometo com o homem. Por isso – eu estou com o homem.
Na minha terra. No meu País. No mundo inteiro”

Victor Rui Dores diz de Dias de Melo em http://www.telus.net/eduardo-b-pinto/victordores_diasdemelo.html:
“Vinde, vede e lede Dias de Melo, escritor, 78 anos de idade e 50 de vida literária, homem solidário, solitário e fraterno, viciado na escrita e no cachimbo, picaroto da Calheta de Nesquim, baleeiro da literatura açoriana.
Do recolhido silêncio do Alto da Rocha do Canto da Baía, continua este autor a aguentar o rumo da escrita, num percurso literário cujo universo temático consubstancia à sua volta a distância, a ausência, o tempo, a saudade, o afecto, a solidão, o amor, o ódio, o sonho, o pesadelo, a vida e a morte no registo mais sentido de uma escrita pessoalíssima e profundamente humana.”

Diz Sidónio Bettencourt no seu excelente trabalho Baleeiros em terra:
“O escritor das baleias... na sua casa pequena, um balcão, uma árvore sombria, a velha máquina de escrever, uma referência a Abril, a liberdade... ele que escreveu imenso sobre os problemas sociais do povo da sua terra, a Calheta do Nesquim. São três e meia da tarde... está a escrever onde mais deseja: no alto da Rocha do Canto da Baía... uma quadra sua diz tudo da verdade com que pautou a sua vida literária:
«... Nestas paredes erguidasPelas mãos dos nossos avós As velhas pedras são vidas Que vivem dentro de nós...»
José Dias de Melo tem cumprido na íntegra este seu compromisso de se comprometer com o homem, de estar com o homem na vasta obra que está publicada e na sua forma de estar na vida como cidadão. Presto publicamente a minha homenagem a este escritor picaroto, açoriano, português… do mundo.

Só nos podemos dizer açorianos se, muito mais do que termos nascido cá, conhecermos a nossa cultura, o que se escreve, o que se canta, o que se pinta, o que se diz, o que se faz nas e pelas Ilhas e, principalmente o que se pensa.

Abraço mariense
Santa Maria, 2 de Abril de 2007
Ana Loura

1 comentário:

Pedro Lourenço disse...

Exma Sra Ana Loira,
Tomei a liberdade de publicar o seu post de contributo ao escritor Dias de Melo, que tive o previlégio de conhecer, numa pagina dedicada do facebook. Caso não seja do seu agrado, agradeço que me comunique. Adicionei um link para o seu blog na página do escritor.

Cumprimentos,

Pedro Lourenço

http://www.facebook.com/pages/Dias-de-Melo/117511071592796?v=app_2373072738&ref=mf#!/pages/Dias-de-Melo/117511071592796?v=wall&ref=mf